segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

a sorrir eu pretendo levar a vida




GRADAÇÕES
                 
        
d’après João Carlos Salles



Não dava conta de gradações,
não havia conseguido
demarcar por completo
o campo do espaço lógico.

Por exemplo:
isso está assim, ou,
eu creio que isto está acontecendo.

Não podemos enunciar no presente?
Que ruído é esse? O que emperra?

Crer é um estado anímico,
não tem duração.

Falácias formais e não formais
tentam nos persuadir,
é muito comum isso...

Como se o sujeito fosse desenhado pela linguagem,
sem ter sido ele seu fundador.

Algumas coisas não são contraditórias,
mas funcionam como se assim fossem.

– É normal ser razoável?

A poesia tenta se aproximar
da sofisticação de certas lógicas.





foto gsecchin




Não se apegue, nem rejeite e tudo será claro.

Não devemos confiar em algo e sim no estado de confiança.

Fé é a intensificação do interesse constante.

                                                               Lama Gangchen Rimponche


Os oráculos budistas nos fazem pensar, neles encontramos o zen, o acaso, o que está em nossas mãos e o que independe de nós. Existem as nossas escolhas, o meio e o acaso. O acaso pode brilhar, as escolhas também, o meio é sempre o meio. O que me preocupa é o autêntico. 

Vou seguir catalisando as forças da positividade para uma satisfação despreocupada, exibindo um sorriso desprendido. O peso que segura as consequências não é sempre leve.  Vou continuar congratulando-me com a tonalidade da vida, aberta aos paradoxos, diluindo sensatez com instinto, misturando-me, somando passos, pulos, saltos e tombos.

Quando o  socorro vem, toma a forma de clareza e me guia em meio a torturas que fazem parte de rotas desconhecidas, esperançosamente vividas, no dramático exagero de um ser comum, que ama escorregar em fantasiosas felicidades, atônita, encabulada, reconhecendo qualquer coisa de especial na simplicidade do ar...



Como pessoas escolhem
ser tão diferentes?
Como pessoas escolhem
fazer coisas tão de repente?

Uma escolha
pode tirar uma vida,
outra escolha
pode salvar uma vida

Mas como escolher,
uma escolha tão difícil?
Ficar na dúvida é tão mais fácil!
Por quê?
Qual?
Como?
Sua escolha muda tudo.



Como? Poema de Ricardo Casotti Secchin, escrito em 2010.





 foto gsecchin




QUALQUER LUGAR




Eu estava lá,
lá em qualquer lugar,
seja no paraíso,
seja em qualquer lugar.
Mas isso não importava.
Afinal, o que importa?

Eu estava lá de novo,
lá em qualquer lugar
seja na sua casa,
seja no mar.

Estava lá eu,
lá em qualquer lugar,
pensando o porquê –
eu estava lá.
Cheguei a conclusão de que eu estava lá,
estava lá para viver,
viver a vida com felicidade,
em qualquer lugar.

  
Poema de Antonio Casotti Secchin, escrito em 2008.



João Carlos Salles é doutor em filosofia e professor da UFBA, o poema é calcado na palestra proferida no Ciclo das Mutações - Crenças e crendices em Wittgeinstein, dia 23/09 de 2010 na ABL, Rio de Janeiro.

Antonio Casotti Secchin e Ricardo Casotti Secchin são estudantes da Escola Nova Gávea, nascidos em 1996 e 1999, respectivamente.


título "O Sol Nascerá" de Cartola e Elton Menezes





segunda-feira, 18 de outubro de 2010

lá vai o trem sem destino




Míssil balístico

– Astron. Veículo que do término da impulsão até o impacto, não tem sustentação, 
estando sujeito unicamente à gravidade e ao arrasto. (fonte : Dicionário Aurélio)


Na dança da madrugada,
estapafúrdias em série.

Várias vezes havia se sentido assim
como um míssil balístico,

ainda na lama que escorria,
ainda lá, Pollyanna via significado,

tentativa de satisfação,
aprendizagem zen,

ainda que dividida
entre esperança e medo.




 foto g secchin


Labirinto



Quando experimenta certa náusea diária,
remota consciência remete ao acaso
de um paralelo confuso,
analógico e masoquista.

À insuficiência espúria
junta-se
o destempero humano,

que começa
no ouvido.




Fala




Tudo será difícil de dizer:
a palavra real
nunca é suave.

Tudo será duro:
luz impiedosa
excessiva vivência
consciência demais do ser.

Tudo será
capaz de ferir. Será agressivamente real.
Tão real que nos despedaça.

Não há piedade nos signos
e nem no amor: o ser
é excessivamente lúcido
e a palavra é densa e nos fere.

(Toda palavra é crueldade)


Poema de Orides Fontela, publicado em Trevo, Coleção Claro Enigma, Ed. Companhia das Letras, 1988






foto hermano taruma



Para ler de manhã e à noite


Aquele que amo
Disse-me
Que precisa de mim.

Por isso
Cuido de mim
Olho meu caminho
E receio ser morta
Por uma só gota de chuva.


Brecht Poemas 1913-1956, Ed. Brasiliense, 1987



título: Trenzinho do caipira: música de Heitor Villa Lobos, letra de Ferreira Gullar

Míssil Balístico e Labirinto são poemas inéditos

quarta-feira, 29 de setembro de 2010

caía a tarde feito um viaduto...




foto maritza caneca



Fragmentos de Sísifo

d’après Olgária Matos

Cada brilho dessa pedra forma,
para ele, o mundo. Ser como uma pedra.

A consciência da imobilidade libera o fardo.
Fatalizado ? Vitimizado?

Inventar outra condição.
Qual a medida? Lucidez? Limites?

Descompasso: a própria condição do movimento.
O caráter aliado, o cadáver adiado.

Resistir ao ceticismo, ao totalitarismo e outros.
Consciência, quando dispersão não é regra.

Como viver sem falsificar a vida?
Procurando explicação?

A razão não pode se contentar com sua onipotência.
O absurdo nasce do silêncio contra o apelo.

A vida não é culpada.
Somos inocentes do absurdo, sem pedir clemência.

(poema inédito)

"Tratar com desigualdade a iguais, ou a desiguais com igualdade, seria desigualdade flagrante e não igualdade real". Rui Barbosa

“Temos o direito a ser iguais quando a diferença nos inferioriza, temos o direito a ser diferentes quando a diferença nos descaracteriza.” Boaventura de Souza Santos

O tema da justiça sempre esteve presente em minha vida. As pessoas que mais admiro procuram ser justas. Algumas pensam que estão sendo, mas não conseguem, talvez não tenham adquirido valores que lhes permita agir de tal forma. De todo modo, transparecem esta necessidade com tanta espontaneidade, que, nessa busca, acabam sendo.

Que valores são esses? Poderíamos reduzi-los a uma dicotomia? Seria justo? Num mundo carente de bom senso, estaremos ignorando as graduações, os estilos, as identidades. Tudo poderia se resumir a algo, como se chamaria? Não sei. Será que este algo, em suas mínimas partículas orgânicas, estaria contido numa única divisão? O bem e o mal?

“A redução das classes sociais ao seu substrato econômico implica perceber apenas os aspectos materiais, como dinheiro, e “esquecer” a transmissão de valores imateriais, como as formas de agir no mundo.”*


Estranho escondido desejo impossível,
não pode ser achado.

Longo caminho perdido,
não pode ser cumprido.

Mistério na estrada,
desvios.

Devem ser seguidas
luzes,

Rompidos
entraves conhecidos.

Ansiedade passa,
assim como otimismo dilata o impasse
e realidade mata.

(poema publicado em Ventanias, Sete Letras, 1997)


foto maritza caneca

“Nada deve parecer natural, nada deve parecer impossível de mudar." Bertolt Brecht



Título, “O Bêbado e o Equilibrista”, de João Bosco e Aldir Blanc

Olgária Matos é doutora pela École dês Hautes Études, pelo Departamento de Filosofia da FFLCH- SP, e professora de filosofia da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), publicou vários livros como autora e colaboradora. Em 8 de setembro de 2010, na ABL, Rio de Janeiro, proferiu a palestra “A crença e o ócio”, como parte do "Ciclo Mutações: A invenção das Crenças", organizado por Adauto Novaes.

*Jessé de Souza em entrevista ao jornalista Uirá Machado na Folha de São Paulo sobre seu livro, “A Ralé Brasileira- quem é e como vive.”, Ed. UFMG, 2009