quarta-feira, 29 de setembro de 2010

caía a tarde feito um viaduto...




foto maritza caneca



Fragmentos de Sísifo

d’après Olgária Matos

Cada brilho dessa pedra forma,
para ele, o mundo. Ser como uma pedra.

A consciência da imobilidade libera o fardo.
Fatalizado ? Vitimizado?

Inventar outra condição.
Qual a medida? Lucidez? Limites?

Descompasso: a própria condição do movimento.
O caráter aliado, o cadáver adiado.

Resistir ao ceticismo, ao totalitarismo e outros.
Consciência, quando dispersão não é regra.

Como viver sem falsificar a vida?
Procurando explicação?

A razão não pode se contentar com sua onipotência.
O absurdo nasce do silêncio contra o apelo.

A vida não é culpada.
Somos inocentes do absurdo, sem pedir clemência.

(poema inédito)

"Tratar com desigualdade a iguais, ou a desiguais com igualdade, seria desigualdade flagrante e não igualdade real". Rui Barbosa

“Temos o direito a ser iguais quando a diferença nos inferioriza, temos o direito a ser diferentes quando a diferença nos descaracteriza.” Boaventura de Souza Santos

O tema da justiça sempre esteve presente em minha vida. As pessoas que mais admiro procuram ser justas. Algumas pensam que estão sendo, mas não conseguem, talvez não tenham adquirido valores que lhes permita agir de tal forma. De todo modo, transparecem esta necessidade com tanta espontaneidade, que, nessa busca, acabam sendo.

Que valores são esses? Poderíamos reduzi-los a uma dicotomia? Seria justo? Num mundo carente de bom senso, estaremos ignorando as graduações, os estilos, as identidades. Tudo poderia se resumir a algo, como se chamaria? Não sei. Será que este algo, em suas mínimas partículas orgânicas, estaria contido numa única divisão? O bem e o mal?

“A redução das classes sociais ao seu substrato econômico implica perceber apenas os aspectos materiais, como dinheiro, e “esquecer” a transmissão de valores imateriais, como as formas de agir no mundo.”*


Estranho escondido desejo impossível,
não pode ser achado.

Longo caminho perdido,
não pode ser cumprido.

Mistério na estrada,
desvios.

Devem ser seguidas
luzes,

Rompidos
entraves conhecidos.

Ansiedade passa,
assim como otimismo dilata o impasse
e realidade mata.

(poema publicado em Ventanias, Sete Letras, 1997)


foto maritza caneca

“Nada deve parecer natural, nada deve parecer impossível de mudar." Bertolt Brecht



Título, “O Bêbado e o Equilibrista”, de João Bosco e Aldir Blanc

Olgária Matos é doutora pela École dês Hautes Études, pelo Departamento de Filosofia da FFLCH- SP, e professora de filosofia da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), publicou vários livros como autora e colaboradora. Em 8 de setembro de 2010, na ABL, Rio de Janeiro, proferiu a palestra “A crença e o ócio”, como parte do "Ciclo Mutações: A invenção das Crenças", organizado por Adauto Novaes.

*Jessé de Souza em entrevista ao jornalista Uirá Machado na Folha de São Paulo sobre seu livro, “A Ralé Brasileira- quem é e como vive.”, Ed. UFMG, 2009