quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

bananeira não sei, bananeira será



A transparência da superfície é rara,
luminosa,


a toda hora preciso dizer do meu amor,

mesmo se já sabem,


no entreposto de quinta-essências

chega outro ano,


parece que perdemos a ternura,

a esperança, jamais,


amplidão, 
não poupem estima,
futuros possíveis aparecerão...


a realidade sensível
não é banal,

há audácia no olhar.






foto gsecchin





Através do livro da espanhola Rosa Monteiro, Instruções para Salvar o Mundo, um romance delicioso de ler, fiquei sabendo um pouco da história do físico Aaron Fieldman. Nascido em Leipizig no início do século XX, ele conseguiu sair da Alemanha do Terceiro Reich e chegar aos EUA. Enquanto seu colega Heisenberg (considerado o pai da física quântica) tentava fabricar a bomba para os nazistas, ele trabalhava na fabricação da bomba para os aliados. Mas o que gostaria de considerar aqui é a chamada Teoria dos Vasos Comunicantes – também conhecido como Efeito Ló – maravilhosamente explicada no livro de Rosa. A teoria não foi finalizada por Fieldman, que morreu em estranhas circunstâncias, poucos dias antes de detonarem a primeira bomba atômica no Japão.



“(...)Enfim, o que Fieldman queria dizer é que as ações têm repercussões no mundo físico, na realidade do planeta e do resto dos seres vivos. Segundo ele, todos os nossos atos, absolutamente todos, têm consequências. Dizia que os seres vivos formam uma unidade energética, que, de alguma forma, todas as criaturas estão interconectadas, da mosca do vinagre ao papa de Roma, e que, dependendo do que fazemos, contribuiríamos para ordenar a matéria e criar harmonia, ou para desordená-la e desencadear fragorosos processos de instabilidade e fúrias caóticas. (...)

Simplificando muito as coisas, o que Fieldman dizia era que tudo o que fazemos repercute nos demais. (...) As atitudes pesam e deixam marcas por si mesmas, e cada indivíduo influi na totalidade através   de um sistema de vasos comunicantes. Fieldman afirmava que nós humanos sabemos, em algum lugar profundo de nossa consciência, que as coisas são assim, e que por isso tal mensagem está presente na maioria das religiões do planeta. (...)”






foto gsecchin





Poema nostálgico





Nem sempre foi assim
essa correria desenfreada,
esse domínio virtual,
ter mais do que ser,

pontos cegos sempre existiram,
cartas só em papel,
orquídeas, só as nativas,
partos normais.



Córtex 



Na tangencia atemporal de cérebros,
surpreendo-me com leituras e leitores,
às vezes pensava-me insolvente,
outras,  cicatriz,

mas quando reparo: milhares de rumos,
esbarro em Leminskianas
e sinto alívio de ecos.



foto gsecchin





...) Aqui estão os achados
e os perdidos
o que guardo ou abandono
os vários ecos descobertos
as minhas sombras
que vou deixando
como roupas apagadas
que despi
meus fantasmas de pano
                                  e luto
e me debato
nas paredes         
                           pelo quarto
tão fechado e escondido
como o caderno de rascunho
feito de papel e de memória. (...)

Trecho do poema Mr. Interlúdio do livro de mesmo nome de Armando Freitas Filho, edição independente, tiragem de 100 exemplares numerados e assinados pelo autor.



terça-feira, 8 de novembro de 2011

o amor, o sorriso e a flor




A água como se fosse a vida. O alongamento, a agilidade, a síntese do movimento. O corpo sem o impacto, a leveza de boiar e olhar o céu, a luz e as árvores.

O essencial pode estar escrito, pode estar desenhado e pode se concentrar mudo no olhar. Pode se repetir chato, estremecer o mundo, se fixar num lugar.

A prática decifrada por teoria frágil que de forte tem o pensar. Arremessado para fora do tempo vivido. Escutado como prosa, sermão, documento, matéria viva, não paga.

A soma de todos os medos, os prazeres sem culpa, tantos desejos dispersos, absolutamente indesejáveis, talvez incompatíveis, justificativas injustas. Breves rompantes de petulância maléfica, relevantes.

Somam-se aí todas as práticas e antecedentes e resultados e o que se torna se muda, quando se descobre e é desejável, compatível e justo.
  



 foto analu prestes 





Ponto de partida




A pessoa não sustenta estar em cena,
se ausenta, seja aonde estiver,
só suporta a solidão, o quarto escuro,
refeições em copas conhecidas,
trancada a leste de um umbigo adjacente,
no máximo a oeste,

e nada de pena,
o mundo não suporta a piedade,
já se encheu...
– Autoestima é tudo.
(entreouvido numa caminhada na lagoa)
– Sou rica.
(entreouvido no facebook)
E continua...
Vê se conclui alguma coisa.






foto analu prestes 


Cosmovisão

                           d’après Luiz Alberto Oliveira


Caminante, son tus huellas
el camino, y nada más;
caminante, no hay camino,
se hace camino al andar.
Al andar se hace camino,
y al volver la vista atrás
se ve la senda que nunca
se ha de volver a pisar.
Caminante, no hay camino,
sino estelas en la mar.
           Antonio Machado


Estabilidade e caos,
infinitos ciclos,
as configurações não são fixas,
tudo flui...
não importa o padrão,
o suporte,
o sistema,

expressar-se implica transcendência
e realidade cotidiana,

o maestro catalisador
facilita ou dificulta a combinação,
muda o andamento. 

Não é possível descrever
o que se passa em um litro d’água,

a realidade é intensa,
variável, incerta,
abandonemos a presunção,

uma idéia e a terra se move,

a massa não é inerte,
diferentes formas
vão cair de formas diferentes, 

a análise não pode ser redutiva,
combinação é alquimia,

momento de deriva,
os deuses estão se rearranjando,

a realidade é intensa,
variável, incerta,
abandonemos a presunção,

a natureza é expressiva
inventa recursos para criar,
basta saber escutá-la.



Este poema foi  “extraído” das anotações que fiz ao longo da conferência intitulada "Sobre inércia e estabilidade" de Luiz Alberto Oliveira realizada na ABL, Rio de Janeiro, em 3 de outubro de 2011. Parte do ciclo organizado pelo Artepensamento e Adauto Novaes, o mutações elogio à preguiça


Imperdíveis: duas peças que estão em cartaz: Palácio do Fim e Mulheres Sonharam Cavalos. Textos densos, ótimos trabalhos de atores, direção, cenografia...


 Título: Meditação de Antônio Carlos Jobim e Newton Ferreira Mendonça





terça-feira, 18 de outubro de 2011

e cada verso meu será pra te dizer






“A esperança está portanto numa poesia pela qual o mundo invada a  tal ponto o espírito do homem que ele venha a perder a palavra, depois reinvente um jargão. Os poetas não têm de modo algum de cuidar das relações humanas, mas ir de cabeça até o fundo do poço. A sociedade, aliás, se encarrega muito bem de empurrá-los, e o amor das coisas de mantê-los ali; eles são os embaixadores do mundo mudo.” Francis Ponge







Apetite disperso


A moça sorri ao ler a mensagem no celular,
a bicicleta desvia do carrinho de bebê,

no jogo das tendências aleatórias,
a terceira opção desestabiliza o mecanismo,

um tropeço,
a calma parece não ser inerente a nada,

a responsabilidade lhe cabe
sem peso no ombro,

espera-se mais,
aceita-se o mínimo,

em meio à barbárie,
qualquer migalha apetece.







foto g secchin






Se alguém tentar decifrar essa mensagem, é bom saber que tudo é contestação, estou sempre contestando a autoridade. Entretanto, não posso deixar de levar em conta que a tenho em mim.

Por que não encaramos a felicidade? O medo sempre passa pela cabeça de maneiras estranhas. Oh, Céus! Isso é mau, será que não viveríamos melhor sem pensar nisso o tempo inteiro.

Quando estou contente, na esperança de ser feliz, sem nem saber que já estou sendo, sou brincalhona se estou à vontade.






Simples bossa



Sentimento puro,
pensamento puro,

prosperidade e cura,
cura e prosperidade,

nem sempre a ordem dos fatores
altera o sentido,

nem sempre quem possui o meio
tem poder para usá-lo,

cada um é o que é,

o exercício é estar aqui,
sem temor para o bem,
o mal,
a divina adequação
às pedras rolantes.





foto g secchin


Muito me chocou a morte violenta da juíza Patrícia Acioli em 11 de agosto de 2011. Conheci Patrícia na universidade, éramos da turma do segundo semestre de 1982 da UERJ, a lembrança que tenho é de uma aluna participativa e brilhante.  Cheguei a ouvir comentários de sua ousadia, chegaram a usar a palavra loucura em relação à sua coragem ao combater as milícias e grupos de extermínio. Mas é essa “radicalidade” para a apuração e aplicação da justiça que poderia fazer mudar tudo. O melhor artigo que li sobre a brutalidade do fato foi do advogado Técio Lins e Silva, “se a juíza assassinada falasse”, publicado em O Globo em 16/09/2011, antes da prisão dos envolvidos.



Título: Eu sei que vou te amar, de Vinicius de Moraes e Tom Jobim

segunda-feira, 12 de setembro de 2011

o tempo rodou num instante




Um amplo campo vertical de sol
limitado em minha janela
Um cabedal de calma
em meus prenúncios

tenho sido véspera
nesses dias.

A maturidade se anuncia,
ou apenas tempo que se desprende
entre a passada agonia
e a agonia próxima?

O fato é que flutuo,
mansa,
minha alegria.


Poema sem título de Gardênia Garcia publicado em Corpo de Sal, Editora Massao Ohno, 1979

Soa-me familiar e elegante esse poema de Gardênia, de um frescor...sem futilidade, conheci-a exímia cozinheira, seus dotes de boa entrevistadora, soube pelo livro que me veio diretamente de suas mãos, nos idos 1990.






foto maritza caneca




Caber



Caber é verbo sublime.

Entre cabimento e presença,
tênue elegância,
compasso fremente,
ascese,
acaso ou escolhido,
espontâneo ou voluntarioso,
verdade acabada.





 foto maritza caneca




Dois filmes



Água viva sai da terra,
cheia de erros e acertos,  
liberdade nunca está pronta.

Não, não vai tão longe
sua melacolia,
tantos versos tristes,
poucos risos longos.

Amadurece
sabendo gastar o tempo...
Na árvore da vida
tudo tem sua hora,
o que se decide,
o que faz parte
e ao mesmo tempo não pertence.

Pode se apegar,
fazer vínculo.
Nenhum sentido fere como mentira,
nenhum engano pode ser repartido,
feito bolo,
perdas não se dividem.

É certo, o mundo vai acabar
ele não quer que ela veja,
que ela se desespere,
preocupação em ser feliz,
estar feliz,

todos acreditam em um único deus,
é a vez de pensar,
como gastar seu tempo.


 Caber e Dois filmes são poemas inéditos

 Título, verso de Roda Viva de Chico Buarque








quarta-feira, 10 de agosto de 2011

hô-ba-lá-lá



Gosto de pensar que existe uma síntese de tudo. Esta não comporta um verso, talvez nem uma palavra ou um ponto. Se fosse um ponto, seria uma interrogação? A síntese da sabedoria ou da curiosidade?

A crise de energia interna é a primeira a ser controlada, recuperação das turbinas, recarregar o gás. Dependendo do assunto, do parâmetro e até da lua, pode haver uma implosão. Mas não importa, do chão não se passa. Ocorre que, com a mobilização deve haver integração, e daí uma cadência que irá domar, dando rumo.

Acreditando nas mutações se entra na vida. Um obstáculo, aperte o passo, foge não, segure a bandeira até que canse. Suou muito, entre n’água. Continue. Não dá? Pare, pare, pare, respire fundo. E vai: sonhe, sonhe, sonhe, até durante o dia.

Ah! Tem uma coisa, de vez em quando solte o verbo. Elimine dúvidas, ou aumente-as falando. Disse besteira? Quase tudo tem conserto, basta uma intenção. Atenção: os outros não são reflexos da gente, os outros são os outros.






foto g secchin






O tratado da vida interior
domina a partitura
lançando acordes,
perceptíveis ilusões
tomadas ao pé da letra
desbundam...

Abraços lampejam,
fazem estreitar em braços sensíveis...
Acreditamos no ontem,
solução acústica, tambores...

Plasma, pasmada, solícita,
impulsivamente palavras,
socorro preencham!

Antiga sabedoria,
volumes cármicos
abundam...


II

Falei de medos
atonitamente
já que coragem não falta.

Até que vem,
ano da serpente
vem mansa
cortejando,
abonando faltas.

É perceptível,
se por acaso me transtorno,
lamúrias
estas se acabaram.

Outro desempenho,
contemporâneo
à fúria meiga,
consoante
os risos largos,
avolumando-se
na história fascinante.


III


Derrubo casas do inconsciente,
avaliação desperta,
pede ritmo
avançando...

Elasticidade também retrai
aí me pega
com temores,
– será que dissonantes?

Oriento-me
“pela constelação do cruzeiro do sul”
barbaridade, conceitos
desliga!

O extremo sul
pinta leste,
ocasião
pega leve,
normalidade
amortece,
roda!




foto gsecchin


Sinto-me feliz por desengavetar essa série de três poemas. Poderia chamá-los meditativos. Fui procurar no google o ano certo, descobri que o ano da serpente foi 1989.  O que me deixou feliz é que tive vontade de publicá-los, os batizei de “mini-tratado da vida interior”.  Bom saber que, tanto tempo depois, eles continuam pulsando um sentimento de amor à vida. Pouca coisa modifiquei do texto original escrito naquele ano, um ponto ou outro, a síntese é a mesma. Confesso que tirei uma coisa de perdão, agora entendo, o perdão tem que ter primeiro uma intenção e depois o arrependimento, caso contrário, não tem validade. Ou mesmo, não há o que perdoar.




Título: hô-ba-lá-lá de João Gilberto
* verso da música Oriente de Gilberto Gil



terça-feira, 5 de julho de 2011

um vento bateu dentro de mim




O mundo cercado
e o mundo aberto
da minha visão
tornam-se realidade corpórea,
é assim que funciona o cérebro-ponte.

A miopia se estende
para além da solidão dos campos de algodão.

Tiro os óculos,
o mundo se restringe
à segurança do cercadinho,
à densidade da aura.

Sempre seremos um pouco inexperientes.


A Ponte de Ouro é um poema inédito.


 foto Lars Marcussen




Todo mundo conhece a história do patinho feio dos contos de Andersen. Conheci Odense na Dinamarca, a cidade de Hans Christian Andersen e resolvi ler o “O Patinho Feio” num livro antigo da coleção “O Mundo Encantado de Andersen”. Nessa edição de 1968 da Editorial Martins Gomes S. A., traduzido por Octávio de Vasconcelos, o autor chama-se João Cristiano Andersen. Felizmente caiu em desuso no Brasil essa prática de traduzir o nome do autor.

Estranho, assim me pareceu a seguinte passagem do livro: “(...) é homem e assim a feiura não tem importância. Creio que será bem forte quando crescer. (...) Todos ficaram à vontade. Mas o pobre patinho feio, nascido por último, era bicado, empurrado e escarnecido. Não só os patos, mas também as galinhas o maltratavam.” Nota-se, desde o começo, que a mãe o acolhe, o problema é o entorno. A história é cheia de peripécias e bons valores, e depois, a natureza é muito generosa com o bichinho. Ao final, conclui: trata-se de um caso de bullying.

Em 07/04/2011, Wellington Menezes de Oliveira de 23 anos provocou o massacre de 12 crianças e feriu mais 12 numa escola municipal no bairro de Realengo, zona oeste da cidade do Rio de Janeiro. Como será que era o entorno do aluno Wellington, ex-estudante dessa escola? Reescrevo aqui as palavras do psicanalista Paulo Becker em artigo publicado em O Globo*: “A monstruosidade tem tudo a ver conosco. O professor recebe o esgoto bruto da violência, sem mediações. Os seus vencimentos e a estrutura das escolas são inqualificáveis. O livre comércio de armas fomenta o monstro. A concepção segregacionista do mundo também. Não querer saber disso é apostar no imobilismo: neste ambiente, a loucura repetirá sua tentativa paradoxal de redenção.”


 foto lars marcussen




foto lars marcussen




Telegrama para além




O império da eficácia extermina a espontaneidade,
perde-se a capacidade de transmutação
inclusive dos significados,
dá-se o engessamento dos sentidos,
inclusive a obstrução de hipóteses,
uma tragédia para o destino.

Enquanto a polaridade,
lateralidade plural,
nos responsabiliza,
não só pelo teto,
mas pelo afeto
em termos bem mais vastos,
para além das perturbações egoicas, solitárias,
para além da ancestralidade, do embrião,
para além das futuras gerações.

Telegrama para além é um poema inédito



Título: Mistérios de Joyce e Mauricio Maestro


*Paulo Becker é integrante do Núcleo de Psicose e Autismo da Escola Letra 
Freudiana. Em O Globo, 30 de julho de 2011.

Lars Marcussen é artista plástico e vive em Odense, Dinamarca