Locomoção
Repara só o movimento,
espia só o apetite,
estamos pensando em mudar.
Parei tanto tempo sem escrever,
perdi o desejo lúbrico.
E a cabeça foi se enchendo:
rumores, sinapses, abstrações.
Coração de pedra,
sem campo para novos sonhos.
Cuidado com o mar,
o mar pega tudo.
– Será que acredito?
Se crer é um estado anímico,
e a minha crença está na poesia,
posso dizer que vivo em estado poético?
Nada me tira a realidade, a angústia,
as agonias...
Estou à procura de uma salvação.
Vê se arruma uma salvação?
“Até a própria natureza está pedindo pra você ficar.”
*
Ficar num foco positivo,
numa liberdade sadia.
Um interesse constante no outro,
nas coisas da vida,
nutrindo uma curiosidade latente,
um fluir
um porvir
fértil.
O medo é o retraimento do espaço do possível que afeta a
própria construção de nossa identidade sem reduto para nos esconder. O medo que
nos vem de um fator externo em que não sabemos das normas. Enfim este
sentimento está ligado a um núcleo muito egoísta, se nos esquecemos do eu e
entramos em comunhão com o outro, espalhamos o seu conteúdo de subtração. Estima,
respeito, esperança – a alteridade reconhecida – a humanidade aceita sem
onipotência, um outro caminho para a inclusão no social, pela via do positivo,
dessa pulsão de medo – e que muitas vezes se constitui no limite da harmonia da
convivência entre as diferenças.
Elza Padua
A sensação de finitude é natural da vida. Vários
acontecimentos históricos, guerras, catástrofes, violaram, feriram o percurso
de forma tão violenta que mudaram a paisagem de uma hora para a outra. Nesse século, destaco o 11 de setembro
americano. Agora, o enorme choque
da tragédia da serra no Estado do Rio. É impressionante e comovente a
mobilização popular, no entanto, carecemos de coordenação para que a ajuda seja
bem distribuída.
A natureza exagerou, a política foi negligente,
mesquinha. O que acontece com os homens de boa vontade? A parte boa desaparece,
sobra muito pouco, bem pouquinho. E a gente honesta tem horror à política,
salvo exceções. Mas é ali, no meio das “velhas raposas” que está o poder de tomar
as rédeas, agir em defesa de uma comunidade – comum unidade. E a alteridade sumiu umbigo afora, sumiu, escafedeu-se.
Extravagância e banalidade acompanham juntas os últimos
acontecimentos. Elas não percebem, mas seus astutos amigos reparam como é comum
mascarar dados, enfeitando pleitos. Aumenta-se os índices aceitáveis para
engabelar os desinformados. Os mais informados permanecem de mão atadas numa
democracia fake. Não há democracia
sem um ministério público atuante, um estado em busca do direito.
*verso da música A Chuva Cai, Argemiro Patrocínio
Elza
Padua, em Esquizofrenia Social, ensaio sobre a ética da
sobrevivência, Editora Zouk, 2006