quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

diz que deu, diz que dá



"Ele pensava ter arquitetado um plano para fazer sua boca dizer tudo o que quisesse. Queria dobrá-la, trabalhá-la, submetê-la todo dia ao treinamento respirado, torná-la firme, torná-la flexível, dar-lhe músculo pelo exercício perpétuo. Até que ela se transformasse numa boca sem fala, até falar uma língua sem boca... Como um bailarino que quisesse sempre dançar mais, dançar longe, dançar até o fim, até que não houvesse mais ninguém no espaço."  Valère Novarina


Altas energias despendidas,
não importa o tamanho do movimento,

num tempo atravessado por detritos,
nenhuma ideia elegante sincera
na frequência abstrata de tantos neutrinos,

nenhuma paz,
nenhuma mão,
zero compaixão.




"(...) É uma tolice achar que há casas que podem ou não ser populares. A casa é a casa. O que os arquitetos dizem com ironia é que o invejável em uma casa é seu endereço. A cidade tem que ser construída para todos. Você não pode fazer um kilowatt popular, compreende?  Nós esquecemos que a favela foi consentida. Era a senzala de que todo mundo precisava, porque, sem zelador, faxineira e babá, ninguém poderia viver. O problema é que não se fala nisso. O urbanismo tem que ser feito com um ingrediente fundamental: a abolição do cinismo." Do arquiteto Paulo Mendes da Rocha em entrevista a jornalista Catharina Wrede no jornal O Globo.

O tempo e a história fazem com que o significado das palavras vá mudando. A palavra compaixão é sempre usada no sentido de pena, piedade. Mas, ela também tem outra conotação: poder compreender o que o outro sente.

A origem da palavra cinismo reporta a um dicípulo de Sócrates, o filósofo grego. A história tratou de modificar, ou, se preferir – deturpar. Veja as diferenças de significado no dicionário e na enciclopédia.




 foto guilherme secchin




Perguntaram ao Carlos Drummond de Andrade. Quais são as obrigações da inteligência na defesa da nossa cultura e do nosso estilo de vida? “A obrigação da inteligência é funcionar. A cultura deve defender-se por sua pureza, por seu desinteresse, sua preocupação crescente da verdade e vida. O nosso estilo de vida, não sei qual seja, e que é mesmo um estilo de vida? As tentativas nacionais de estilo de vida, verificadas nos últimos tempos, são deploráveis e acabam em sangue. Prefiro a vida simplesmente, sem estilo, mas bastante poderosa na sua espontaneidade e na sua compreensão de todas as diferenças e peculiaridades.”



Nos últimos grunhidos de 2012...
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Queridíssimos leitores, desejo a todos, saúde, bom humor e inteligência para levar a vida!


título: Partido Alto de Chico Buarque
Valère Novarina em LADO 7, n.1 maio 2011
Carlos Drummond de Andrade, entrevistas, Ed. Azougue
o poema "O tempo entre detritos" é inédito


quarta-feira, 28 de novembro de 2012

enquanto eu corria assim eu ia






Os encontros são indeterminados,
põe em contato um futuro.

Dentro do tempo, o agora é laço.
Somos nós
o tempo dos nossos corpos,
um futuro que pode afetar o passado.

Fora do vivo é o futuro do vivo,
Dentro do tempo, o agora é laço.



Nexus, poema inédito d’après Luiz Alberto Oliveira




foto hermano taruma




Neste mundo, onde os sofrimentos se confundem
e se apagam, só reina a Fórmula. Cioran



“Quando menos pode ser mais” – é uma máxima pouco utilizada em tempos de tudo tem que ser “o melhor”.  No entanto, em muitas ocasiões essa pode ser a grande sacada. Não digo nem: a dose certa ou o equilíbrio, a hora certa ou a companhia certa. Saber o certo, como? Tem coisas  que só fazendo para saber se é o certo e talvez nunca venhamos a saber. Entretanto, certas atitudes, de cara, não estão certas. Mas as motivações pessoais estão tão exacerbadas que o sujeito vai agindo sem nenhum tipo de questionamento ou escrúpulo.

Como fazer com que a intolerância e as imensas desigualdades sociais sejam coisas do passado? Quantos mensalões existem, quantos serão punidos? O pior é roubar do futuro a possibilidade de uma água limpa, um ecossistema típico da orla, uma praia como a da Reserva. Como autorizar uma construção num espaço como aquele, bem ou mal, até agora preservado? Não deveria ser um espaço recreativo, esportivo, nem mesmo um espaço artístico, é um espaço da natureza. Li sobre duas justificativas para o projeto: a vegetação nativa não está preservada, as construções que estão ao lado jogam esgoto in natura na água, uma das contrapartidas é cuidar desses dois problemas. São duas coisas que poderiam ser feitas pela prefeitura, independentemente de qualquer empreendimento imobiliário. Salvem a praia da Reserva!




foto hermano taruma


Oração



Essa ocasião
poderia ser
um raio de sol,
letreiro de bar, marca
de jeans,
encarnado, vermelho
luz onde você
espera e
golpes de gratidão.
Ou um nome
ao longo
de um vagão de metrô
que somente faz sentido
quando você fala bem alto
na sua cabeça
enquanto passa.


Prayer



Its occasion
could be
a spot of sun,
bar sign, label
on jeans,
carnation, red
light where you
wait and
gratitude hits.
Or a name
the length
of a subway car
that only makes sense
when you say it aloud
in your head
as it passes.


Poema de Lia Purpura, publicado na revista New Yorker de 19.11.12, traduzido por Solange Casotti






foto hermano taruma


título, Preta Pretinha, Os Novos Baianos


Nexus, poema inédito feito a partir da conferência "Tempo e Fluxo" apresentada por Luiz Alberto Oliveira no ciclo "o futuro não é mais o que era" 




terça-feira, 30 de outubro de 2012

todo dia era dia de índio




O Medo do Acaso
                  d’après Newton Bignotto




Impermanência,
angústia estrutural,
fios intencionais,

Imagens vazias
valendo mais que boas ideias.

Só o mensurável pode “estar sendo” gerenciado,
quanta coisa escapa...

Controle –
ilusão de que é possível
se livrar do acaso.

A natureza é inquietante,
nem tudo pode ser submetido à geometria.

Impossível extirpar:
tristezas, exitações, dúvidas.

A arte ama o acaso.
O acaso ama a arte.




foto solange casotti



Queria falar da casca, das couraças, daquela coisa que está logo abaixo das fáscias e da pele que habito. Não quero o abrupto, a violência implícita ou explícita.  O escondido que não me fala, gole calado no escuro...

A virtude de esquecer abre novos caminhos... A virtude de lembrar aumenta a percepção. De que vale ser feliz por um momento e carregar ressentimento? O que vale mais: consciência ou reputação? No mercado do valor: tanta coisa importante e inútil, impossíveis de quantificar.

Quando a essência não desagarra da existência, soluções viáveis nascem aos poucos. Alteram o sentido. Sem constrangimento, por favor! Não despiste o óbvio. O que desencadeia, nem sempre é breve. Portas abertas ao campo!



Cores vivas,
passeios Pina Bausch,
verdades detonadas
em corpos musicais.

Tomar partido.
Cuidados podem fazer jus...
Livrar o acaso.

Choradeira doida doída,
britadeira deflagrando culpas,
solapada por infantilidades e volúpias.

Parar de acusar o todo
e o tempo,
parar de não achar merecer,

Para além dos fatos,
não existe método ou rima,
metafísica do espaço.



foto solange casotti



Consciência Cósmica




Já não preciso de rir.
Os dedos longos do medo
largaram minha fronte.
E as vagas do sofrimento me arrastaram
para o centro do remoinho da grande força,
que agora flui, feroz, dentro e fora de mim...

Já não tenho medo de escalar os cismos
onde o ar limpo e fino pesa para fora,
e nem deixar escorrer a força dos meus músculos,
e deitar-me na lama, o pensamento opiado...

Deixo que o inevitável dance, ao meu redor,
a dança das espadas de todos os momentos.
E deveria rir, se me restasse o riso,
das tormentas que pouparam as furnas da minha alma,
dos desastres que erraram o alvo do meu corpo...

Poema de Guimarães Rosa publicado em Magma, Editora Nova Fronteira,1997




foto solange casotti



Pacto irrenunciável com o território Os guarani e os kaiowá têm conexão direta com os territórios específicos, consideram-se uma família só, dado que o território é visto por estes indígenas como humano. Eles possuem um forte sentimento religioso de pertencimento ao território, fundamentado em termos cosmológicos, sob a compreensão religiosa de que foram destinados, em sua origem como humanidade, a viver, usufruir e cuidar deste lugar, de modo recíproco e mútuo. Portanto, eles podem até morrer para salvar a terra. Há um compromisso irrenunciável entre os guarani e kaiowá e o guardião/protetor da terra, há um pacto de diálogo e apoio recíproco e mútuo: os guarani e kaiowá protegem e gerenciam os recursos da terra e, por sua vez, o guardião da terra vigia e nutre os guarani e kaiowá. 
Tonico Benites, guarani-kaiowá, mestre e doutorando em Antropologia Social pela UFRJ 


O poema inédito "O Medo do Acaso" foi feito a partir da conferência proferida por  Newton Bignotto em 03/10/2012 no ciclo o futuro não é mais o que era.

Título: Todo Dia era Dia de Índio de Baby Consuelo