segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

coisa nº4




Sentir desconectado do pensar,
emoção que não decanta,
excesso, obstrução,
rudeza que rebate.

Aborta afetação,
começa do nada.

Silêncio,
agora paz.

– Pode música?
Nem isso agora.

A ponta da caneta desliza
sem palavras.








foto gsecchin





Tomates verdes
deixaram de ser estranhos,
mesmo sem serem habituais,

uma relação requer intimidade,
exterioridade reclama permeabilidade.

Situações insólitas:
não ser delineado a partir do seu oposto,
comunicar o inconfessável.







foto gsecchin




O futuro pode aprisionar, sendo promessa
e dívida a reembolsar.

Superação:
onde essa vontade se expressa?

Impulso ou obstáculo,
cópia ou simulacro.

A verdade é uma experiência,
ninguém pode perfaze-la em seu lugar.

Na lógica dos sentidos,
compreender nem sempre é aceitar.

Vida, dor, círculo...


Palavras Possíveis I, II, III é um poema inédito 




título: coisa nº4 Moacir Santos







sexta-feira, 1 de novembro de 2013

esse papo já tá qualquer coisa...






Na calçada, tropeço,
clarão estrela açoite,
não acredito em profecia
nem de espelho quebrado
– superstição.

Parto ensuite
ma non troppo
sorrateira,
poliglota meia,

parto feliz e sem graça,
certa humildade no ar,

mutismo em pele de lontra,
boquiaberta,
esparramada, 
inteira.





foto hermano taruma




Kosuth: o conceito e o sonho





Num cenário guiado pelo mercado,
engajamento cultural é expressado em termos econômicos.

Mas isso não significa 
que o trabalho deva ser
peça de apoio da cultura corporativa.

O importante é entender 
que as pessoas com poder na sociedade
são comprometidas com objetivos a curto prazo:
mostrar lucro,
manter o seu poder.

O artista, o escritor, o filósofo não se aposentam.
Tais profissões não são um trabalho –
são um chamado.
E a cultura que estão no papel de criar
é a longo prazo.

Eles são como fibras longas
que dão forças
ao tecido social. 










foto hermano taruma







CHUVA na mata



A pé,
eia, rumo a
língua sul do lago,
para além do cristo molhado
ardendo na  tábua radiosa
indicando atalho e luz
forasteira sobre a trilha,

fumo da cabana
atada à tua linha da vida
( o que ainda
resta por percorrer),
avante,
mantimentos, céus antigos,
pulmão sobressalente
na  mochila inchada às costas,
em frente,
para baixo,
                descendo a encosta
onde bóia entre seixos
(lata brilhante, rosto amado, esqueleto
        de nuvem, anéis,
        o turquesa da dúvida?)
 o que procuravas –

além, para lá
do que (nem sabias)
tanto procuravas.





UMA SOMBRA, passa –

  
ainda não
me abraça, vai

em tua direção.




Chuva e Uma Sombra são poemas de Age de Carvalho, publicados no livro Seleta, editora Paka- Tatu, Belém.






título: Qualquer Coisa, Caetano Veloso

conjeturas é um poema inédito.

Kosuth: o conceito e o sonho foi extraído de uma entrevista publicada no segundo caderno do jornal O Globo com o artista Joseph Kosuth em 2.08.2013


segunda-feira, 30 de setembro de 2013

Que é meu balangandã?





Necessidade –
melhor saber distingui-la:
simples capricho
ou inútil poesia?

Talvez aqui o obstáculo
se reverta em dom,
abrindo caminhos
de letras.






foto gsecchin



Os índios não dividem corpo e alma. O corpo está na alma, a alma está no corpo. Tudo junto misturado povoa a alma.  A família, os amigos, o mundo virtual, o mundo real, o jornal impresso, a fala do rádio, o ruído da cidade, a qualidade do ar e da água.

O mundo é cruel, nunca foi justo.

Seríamos capazes de enumerar quantas vezes nos sentimos ameaçados? A partir de que idade? Será, que assim como os afagos, as tensões não se encontram todas gravadas em alguma parte de nosso corpo?



Se está à procura de uma confissão que salve tudo
ela não existe,
que baste uma consciência
ou nova postura
que caiba nesse vestido d’alma
finesse e fissura
que seu corpo acolheu.




"O enraizamento é talvez a necessidade mais importante e mais desconhecida da alma humana. É uma das mais difíceis de definir. O ser humano tem uma raiz por sua participação real, ativa e natural na existência de uma coletividade que conserva vivos certos tesouros do passado e certos pressentimentos do futuro." Simone Weill                                                                            





foto gsecchin



Às vezes, em dias de luz perfeita e exata,
Em que as cousas têm toda a realidade que podem ter,
Pergunto a mim próprio devagar
Porque sequer atribuo eu
Beleza às coisas.

Uma flor acaso tem beleza?
Tem beleza acaso um fruto?
Não: têm cor e forma
E existência apenas.
A beleza é o nome de qualquer coisa que não existe
Que eu dou às coisas em troca do agrado que me dão.
Não significa nada.
Então porque digo eu das coisas: são belas?

Sim, mesmo a mim, que vivo só de viver,
Invisíveis, vêm ter comigo as mentiras dos homens
Perante as cousas,
Perante as cousas que simplesmente existem.

Que difícil ser próprio e não ver senão o visível!


XXVI - Às vezes, em dias de luz perfeita e exata, Poema de Alberto Caiero, Fernando Pessoa, obra poética, ed. Nova Aguilar, 1992




“Uma das tarefas mais importantes de uma filosofia e de uma literatura é a de conseguir flagrar e construir a afetividade, a sensibilidade e o espírito de sua época, oferecendo-nos o que por permanecer estranho, todos temos tanta dificuldade de enxergar apesar de ser o mais íntimo de todos nós. “Redesenhar o mapa da sensibilidade”, com  o qual cada momento histórico deve a cada instante, se medir, criando o inventário dos novos sentimentos e pensamentos, criando portanto, a própria época, é a aposta a que se lança toda grande obra.”

 (...) criar o que não existia antes: “ o inteiro mundo, em eterno crescimento, de avaliações, cores, pesos, perspectivas, degraus, afirmações e negações.” Alberto Pucheu






título: Jou Jou Balangandã de Lamartine Babo

Finesse e Fissura, poemas Ledusha, Ed. Brasiliense, 1984


Simone Weill


Giorgio Agamben: Poesia, Filosofia, Crítica, Alberto Pucheu, Ed. Azougue, 2011