segunda-feira, 30 de setembro de 2013

Que é meu balangandã?





Necessidade –
melhor saber distingui-la:
simples capricho
ou inútil poesia?

Talvez aqui o obstáculo
se reverta em dom,
abrindo caminhos
de letras.






foto gsecchin



Os índios não dividem corpo e alma. O corpo está na alma, a alma está no corpo. Tudo junto misturado povoa a alma.  A família, os amigos, o mundo virtual, o mundo real, o jornal impresso, a fala do rádio, o ruído da cidade, a qualidade do ar e da água.

O mundo é cruel, nunca foi justo.

Seríamos capazes de enumerar quantas vezes nos sentimos ameaçados? A partir de que idade? Será, que assim como os afagos, as tensões não se encontram todas gravadas em alguma parte de nosso corpo?



Se está à procura de uma confissão que salve tudo
ela não existe,
que baste uma consciência
ou nova postura
que caiba nesse vestido d’alma
finesse e fissura
que seu corpo acolheu.




"O enraizamento é talvez a necessidade mais importante e mais desconhecida da alma humana. É uma das mais difíceis de definir. O ser humano tem uma raiz por sua participação real, ativa e natural na existência de uma coletividade que conserva vivos certos tesouros do passado e certos pressentimentos do futuro." Simone Weill                                                                            





foto gsecchin



Às vezes, em dias de luz perfeita e exata,
Em que as cousas têm toda a realidade que podem ter,
Pergunto a mim próprio devagar
Porque sequer atribuo eu
Beleza às coisas.

Uma flor acaso tem beleza?
Tem beleza acaso um fruto?
Não: têm cor e forma
E existência apenas.
A beleza é o nome de qualquer coisa que não existe
Que eu dou às coisas em troca do agrado que me dão.
Não significa nada.
Então porque digo eu das coisas: são belas?

Sim, mesmo a mim, que vivo só de viver,
Invisíveis, vêm ter comigo as mentiras dos homens
Perante as cousas,
Perante as cousas que simplesmente existem.

Que difícil ser próprio e não ver senão o visível!


XXVI - Às vezes, em dias de luz perfeita e exata, Poema de Alberto Caiero, Fernando Pessoa, obra poética, ed. Nova Aguilar, 1992




“Uma das tarefas mais importantes de uma filosofia e de uma literatura é a de conseguir flagrar e construir a afetividade, a sensibilidade e o espírito de sua época, oferecendo-nos o que por permanecer estranho, todos temos tanta dificuldade de enxergar apesar de ser o mais íntimo de todos nós. “Redesenhar o mapa da sensibilidade”, com  o qual cada momento histórico deve a cada instante, se medir, criando o inventário dos novos sentimentos e pensamentos, criando portanto, a própria época, é a aposta a que se lança toda grande obra.”

 (...) criar o que não existia antes: “ o inteiro mundo, em eterno crescimento, de avaliações, cores, pesos, perspectivas, degraus, afirmações e negações.” Alberto Pucheu






título: Jou Jou Balangandã de Lamartine Babo

Finesse e Fissura, poemas Ledusha, Ed. Brasiliense, 1984


Simone Weill


Giorgio Agamben: Poesia, Filosofia, Crítica, Alberto Pucheu, Ed. Azougue, 2011




quarta-feira, 4 de setembro de 2013

como é bom poder tocar um instrumento




O mundo encharcado de contentamento,
memória, sinapse, invenção,

não sabe soletrar,
mal conhece as letras,
mas sabe o sentido daquele gesto,
fisicamente simples,
afetivamente complexo,
instintivo,
imagético.



Afago é um poema inédito






pintura de g secchin sobre foto de dean northcott






Um objeto


Esta coisa, dotada de codificação e não de coração,

Pôs o conhecimento onde devia estar afetividade

e agora nada

                   lhe altera a meditação.



An Object  


This thing, that has a code and not a core,

Has set acquaintance where migth be affections,

And nothing know
                           Disturbeth his reflections



Poema de Ezra Pound (1875-1972), Antologia da Nova Poesia Norte-Americana, Seleção, Tradução e Notas Jorge Wanderley, Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1992





pintura de g secchin sobre foto de dean northcott






Fabrício,



vou contar uma história, História, como você sabe, é a composição de ocorrências, geralmente exatas, gravadas em vida.

Por volta de fevereiro de 1937, ocorria o vestibular para a Faculdade Nacional de Direito do Rio de Janeiro (hoje, a UFRJ). Provas... Examinador, um homem fino – pertencente ao Itamaraty (Ministério das Relações Exteriores do Brasil) e servindo, interinamente, à Chefia do Gabinete Civil da Presidência da Republica. Sete horas da manhã, prova oral (naquela época tinha prova oral no vestibular) de literatura. Tensão total dos alunos visto as credenciais do examinador. Primeiro a ser chamado, por ordem alfabética, um da letra “A”: “Senhor Fulano, vamos tirar o ponto a ser examinado. O vidro, com os pontos em número de 55, era daqueles de balas – que ao tempo, se encontrava muito nos bares do Rio. O aluno colocou sua mão no interior do recipiente e tirou o ponto. Por incrível que pareça, o primeiro aluno a ser chamado tirou o último dos pontos, o de nº 55.

Instintivamente o examinando olhou para trás, e de frente para os três colegas com os quais estudava para as provas, suspirou junto a eles – só haviam estudado até o ponto 40...

O Examinador olhou para as anotações do ponto sorteado e perguntou: “O que o Senhor entende por Teoria do Desenvolvimento da Humanidade.” O aluno, desconhecedor do assunto, mas vivo, começou: “Suponhamos um círculo, ou melhor, uma bola girando como faz a Terra em sua rotatividade. Os pontos sempre se coincidiriam em igualdade quando da superposição, necessário se fazia que um passo à frente fosse dado antes da coincidência e assim iria se processando uma alteração, sempre no sentido do melhor.” O Examinador interrompeu e perguntou: “De quem é esta Teoria?” O aluno que a esta altura se julgava um Réu ante o Magistrado fino e educado, respondeu: “É minha.” O Examinador, rindo, soltou: “O Senhor não tem medo de ser processado por Worms?.”


O aluno, vivo e sagaz, aproveitou a deixa do sorriso amigo e soltou: “Se Worms, que tanto estudou, apresentou teorias a perder de vista, criou uma literatura vasta sobre diversos assuntos da humanidade, não fez vantagem nenhuma, pois um Réu confesso como eu, criei com um passo à frente uma Teoria ante esta boníssima banca examinadora.”



Fabrício: O passo dado é tudo aquilo que precisamos para nos ajudar e à humanidade também. Firme neste conceito: Não deixe de dar o passo.



Do seu avô,

Adelson Rebello Moreira.


Meu Tio Adelson, era irmão de minha mãe, teve oito filhos com Wandira Campos Moreira, dentre muitas outras coisas, foi um dos sócios fundadores do Yate Clube de Mararataízes e construiu um lar para idosos, que leva seu nome, em sua cidade natal, Cachoeiro de Itapemirim. Essa carta foi escrita para seu neto Fabrício Moreira em 23 de agosto de 1998.



Alguém sabe quem  é esse Worms?

Fiz uma pequena pesquisa e Worms...é a palavra inglesa para vermes e parasitas.


  
título: Tigresa de Caetano Veloso