sexta-feira, 8 de janeiro de 2016

abri a porta



eu vou fazer
uma grande pesquisa
mas não vou achar a palavra certa
o momento certo
e saber o tipo de conveniência
articulada em gesso
que se quebra em qualquer alongar-se

disparam e não vou parar de correr
sem direção, em desespero
alcança-me a lama
e a palavra lama se apodera
e não há trampo nem grampo
nem espera.




foto gsecchin



o primeiro cansaço foi mental,
depois veio o físico,
o primeiro beijo foi espontâneo

as coisas sensíveis não são apenas
um reflexo muito instável da realidade

racionalidade termostática:
a minha natureza ama esconder-se.






Memento



Um bebê gordinho e bochechudo que aos oito meses falava mamãe, era a atração da rua. Isso me contaram. Aos dois ou três anos recitava no degrauzinho da porta do banheiro. Enquanto a família se reunia no quarto dos meus pais: minhas duas irmãs mais velhas, meu irmão que é o do meio e minha irmã bebezinha, um ano e oito meses mais nova do que eu.

“Batatinha quando nasce, se esparrama pelo chão.
Mamãezinha quando dorme põe a mão no coração.”

“Eu sou pequena da perna grossa,
Vestido curto, papai não gosta.”

Quando a quinta filha veio, eu ainda não tinha dois anos. Me colocavam num cercadinho no meio da sala com brinquedos e um monte de revistas. Tão boazinha, ficava ali algumas horas, até que alguém como minha mãe, minha irmã mais velha, ou minha prima e vizinha pudessem me “salvar”. Hoje em dia, esse tipo de artefato, o cercadinho, não é aconselhável.

Levei muito tempo para entender como eu gostava e ainda gosto de um cercadinho. Acredito que o excesso de exibicionismo na mais tenra idade, tenha me levado a gostar desse tipo de proteção.

Com bastante frequência,  minha prima, que me chamava de “tutuca”, me levava para passear, me exibia como uma gracinha, me dava banho, comida e me entregava prontinha para dormir.


Durante um tempo a garotinha “exibida” e afetuosa era tirada de casa, dos irmãos brincalhões, da irmãzinha recém nascida para ser paparicada e tratada como uma boneca. Ao mesmo tempo que gostava daquilo, achava excessivo e sentia falta da família, do pai e da mãe.










Uma mensagem secreta dirigida a minha mãe. Penso que uma dificuldade de expressão verbal e muita emotividade me levaram a escrever. Quando esse bilhete voltou às minhas mãos, percebi que a necessidade da escrita vem de muito nova.

“Sou muito metida e dou muita opinião”. Como verbalizar minhas  opiniões? Fazer minhas críticas reflexões sem me sentir metida? Através da palavra escrita. E por que essa sensação de todos contra mim? Acredito que isso foi me tornando cada vez mais defensiva.






“PS. Sei que tem alguma coisa escrita errado, não tem "portância”. Adoro isso! Para mim, isso demonstra não ter medo de errar, certa dose de coragem.


Esta dualidade – me esconder, me exibir, ficar invisível no meu cercadinho, falar, mostrar uma voz – faz parte de uma percepção da maturidade. Levei muito tempo para conseguir olhar para  aquela garotinha e dizer que ser admirada e querida, não implica em uma cisão plena de angústia e dor.





Título: abri a porta, a cor do som