terça-feira, 30 de agosto de 2016

existem praias tão lindas cheias de luz?



Tempo



onde é o lugar do sendo?
estilo, esboço, sendo
sendo campo minado,
aniquilar a aniquilação,
sendo música e riso
não precisam significar nada
onde é o lugar do sendo?
sendo
vida e mundo
bens supremos
sendo outra forma de pensar
o começo



foto gsecchin 




Desvelamento



Do caos ao cansaço,
do cansaço ao movimento.
Saber que podemos desistir
transforma fracassos.

Seria essa uma nova via?
Ver por outra perspectiva,
quando não havia nenhuma…
e a verdade aparecendo como melhor caminho,

"é a presunção que deve ser apagada
mais do que o incêndio."•






foto gsecchin





Amor





água viva
a desfrutar do medo
como se fosse precaução
e da estima
sendo mais que rima:
joelhos, joanetes,
ossos e articulações.

amor,
esse trem não fará mais serviço de passageiros
será que fui inocente em acreditar?
ou, a quem estou tentando enganar?

benefício,
sacrifício,
insuficiente,
suficiente,
possível
experiência
de contraponto,

uma história de amor.



os poemas "tempo","desvelamento" e
"amor" são inéditos. 
• Heráclito

título : "copacabana" de Alberto Ribeiro e João de Barro






sexta-feira, 8 de janeiro de 2016

abri a porta



eu vou fazer
uma grande pesquisa
mas não vou achar a palavra certa
o momento certo
e saber o tipo de conveniência
articulada em gesso
que se quebra em qualquer alongar-se

disparam e não vou parar de correr
sem direção, em desespero
alcança-me a lama
e a palavra lama se apodera
e não há trampo nem grampo
nem espera.




foto gsecchin



o primeiro cansaço foi mental,
depois veio o físico,
o primeiro beijo foi espontâneo

as coisas sensíveis não são apenas
um reflexo muito instável da realidade

racionalidade termostática:
a minha natureza ama esconder-se.






Memento



Um bebê gordinho e bochechudo que aos oito meses falava mamãe, era a atração da rua. Isso me contaram. Aos dois ou três anos recitava no degrauzinho da porta do banheiro. Enquanto a família se reunia no quarto dos meus pais: minhas duas irmãs mais velhas, meu irmão que é o do meio e minha irmã bebezinha, um ano e oito meses mais nova do que eu.

“Batatinha quando nasce, se esparrama pelo chão.
Mamãezinha quando dorme põe a mão no coração.”

“Eu sou pequena da perna grossa,
Vestido curto, papai não gosta.”

Quando a quinta filha veio, eu ainda não tinha dois anos. Me colocavam num cercadinho no meio da sala com brinquedos e um monte de revistas. Tão boazinha, ficava ali algumas horas, até que alguém como minha mãe, minha irmã mais velha, ou minha prima e vizinha pudessem me “salvar”. Hoje em dia, esse tipo de artefato, o cercadinho, não é aconselhável.

Levei muito tempo para entender como eu gostava e ainda gosto de um cercadinho. Acredito que o excesso de exibicionismo na mais tenra idade, tenha me levado a gostar desse tipo de proteção.

Com bastante frequência,  minha prima, que me chamava de “tutuca”, me levava para passear, me exibia como uma gracinha, me dava banho, comida e me entregava prontinha para dormir.


Durante um tempo a garotinha “exibida” e afetuosa era tirada de casa, dos irmãos brincalhões, da irmãzinha recém nascida para ser paparicada e tratada como uma boneca. Ao mesmo tempo que gostava daquilo, achava excessivo e sentia falta da família, do pai e da mãe.










Uma mensagem secreta dirigida a minha mãe. Penso que uma dificuldade de expressão verbal e muita emotividade me levaram a escrever. Quando esse bilhete voltou às minhas mãos, percebi que a necessidade da escrita vem de muito nova.

“Sou muito metida e dou muita opinião”. Como verbalizar minhas  opiniões? Fazer minhas críticas reflexões sem me sentir metida? Através da palavra escrita. E por que essa sensação de todos contra mim? Acredito que isso foi me tornando cada vez mais defensiva.






“PS. Sei que tem alguma coisa escrita errado, não tem "portância”. Adoro isso! Para mim, isso demonstra não ter medo de errar, certa dose de coragem.


Esta dualidade – me esconder, me exibir, ficar invisível no meu cercadinho, falar, mostrar uma voz – faz parte de uma percepção da maturidade. Levei muito tempo para conseguir olhar para  aquela garotinha e dizer que ser admirada e querida, não implica em uma cisão plena de angústia e dor.





Título: abri a porta, a cor do som


segunda-feira, 5 de outubro de 2015

e nos espaços serenos





O próximo
Escuta a magreza
O próximo
Tosse
O próximo
Obesidade mórbida
O próximo
Vermelhidão na cútis
O próximo
Está enterrado

Foi uma morte violenta.




foto nasa






Meu filho, quem sou eu para escrever sobre a morte. Acho uma difícil tarefa. Tanto já se falou sobre a morte e tanto já se especulou sobre o que acontece com a gente depois da morte. Prefiro ver a morte como parte da vida e valorizar o tempo. O nosso corpo é nossa morada nesse espaço de tempo que contemplamos o que chamamos de vida. Estamos sujeitos a doenças e acidentes, somos frágeis. Por isso, acho super importante cuidar e prestar atenção nele. O corpo se deteriora com a idade e simplesmente não vale nada após a morte. Mas o que acontece com aquilo que chamamos espírito? Não sei, não há explicações científicas e há inúmeras hipóteses apontadas pelas religiões.

Há dois livros, um dia você poderá ler – eles falam da morte de uma maneira que me tocou profundamente. O primeiro foi escrito por uma francesa que escrevia livros de filosofia, mas escreveu um romance que é uma história grande e inventada, o nome dela é Simone de Beauvoir. O livro chama-se “Todos os Homens são Mortais“, conta a história de um homem que nunca morre, já casou, já teve filhos, já presenciou guerras e tudo ia se repetindo, ele se apaixonava, casava com mulheres belíssimas, elas morriam, os filhos morriam e tudo começava de novo. Após muitos anos, séculos, nada mais tinha a menor graça para ele, ele estava cansado, mas sua vida não tinha fim.

O outro livro, tem um pequeno texto, de um escritor já morto muito conhecido por seus livros, Thomas Mann.  Ele escreveu um pequeno ensaio chamado “Elogio da Transitoriedade” onde conta porque ele considera a “transitoriedade” a coisa mais importante, o que está acima de tudo na vida. Espero que um dia, eu possa ler essas páginas junto com você. Pois hoje, eu já sinto saudades futuras de um tempo que não estarei mais por aqui.



foto nasa








Madrid, 1937,
na Plaza del Ángel as mulheres
costuravam e cantavam com seus filhos,
depois soou o alarme e houve gritos,
casas ajoelhadas no pó,
torres fendidas, fachadas esculpidas
e o furacão dos motores, fixo:
os dois se despiram e se amaram
por defender nossa porção eterna,
nossa ração de tempo e paraíso,
tocar nossa raiz e nos recobrar,
recobrar nossa herança arrebatada
por ladrões de vida há mil séculos,
os dois se despiram e se beijaram
porque as nudezes enlaçadas
saltam o tempo e não invulneráveis,
nada as toca, voltam ao princípio,
não há tu nem eu, amanhã, ontem nem nomes,
verdade de dois em um só corpo e alma,
oh ser total…


Trecho de “Pedra do Sol” de Octavio Paz, traduzido por Floriano Martins








Título: Itapuã de Vinícius de Moraes

Carta ao filho, texto inédito

“Ufa!” é um poema inédito