quarta-feira, 26 de setembro de 2012

desejo, necessidade e vontade




Coisa Delicada




Original tosco,
livre de raciocínio lógico,
envolto em seu pano de fundo,
isento de submissão,
salvo da perplexidade.

Não se trata de dúvida,
nem calma.
Surpreende pelo silêncio.

No cerne: uma cisão,
interior em escombros,
à procura de possiblidades.

“Nem tudo o que causa medo é ruim”.













foto m morteira, tela g secchin



Stimmung  é uma palavra do idioma alemão de difícil tradução. No livro "Ser e Tempo" de Martin Heidegger foi traduzida como “disposição”. Já na edição americana, ficou como “mood”. Segundo Hans Ulrich Gumbrecht trata-se de algo muito mais amplo, seu livro sobre o tema (Stimmungen Lessen, Ed. Hanser Verlas, 2011) deve sair no Brasil no próximo ano. Estive na PUC- RJ assistindo uma palestra do autor intitulada  Stimmung e Sensibilidade, daí as considerações abaixo.

Não há uma palavra única para definir stimmung. O prefixo stimm quer dizer voz, o verbo pode significar, dentre muitas coisas, afinar instrumentos. Ela se refere a uma perspectiva de presença, uma atmosfera, epifania, humor, simpatia. Tem relação com a capacidade de presentificar, chegar à vida. Inclui uma alusão a uma disposição psicológica, uma expectativa de harmonia. Funciona, às vezes não funciona. É capaz de temperar o racional e o irracional. Não há como transformá-la em metodologia. É um tipo de sensibilidade que não é possível objetivar. No entanto, podemos exemplificar, há inúmeras possiblidades: na pedagogia(uma boa aula), na música, na literatura. Tem a ver com: permitir ser tocado. Quando acontece você sabe.












 foto m morteira, tela g secchin



Existem formas de pensamento científicas, religiosas, racionais, pragmáticas, usáveis, deturpáveis, infinitas...nenhuma delas escapa da própria dualidade. Escolher qualquer coisa – depende de critérios. O que a ficção tem de verdade, e a verdade de ficção? Às vezes pensamos que estamos lidando com uma verdade, uma escolha real, pode ser a coisa mais banal, mas será que tudo não passa de ficção? Pois se “ver” já é pensamento e se esse pensamento está sistematizado, ou sei lá, qual o seu sistema operacional. Até que ponto há escolha – ou capacidade de avaliação – liberdade.



Flores do Mais




devagar escreva
uma primeira letra
escreva
nas imediações construídas
pelos furacões;
devagar meça
a primeira pássara
bisonha
que riscar
o pano de boca
aberto
sobre os vendavais;
devagar imponha
o pulso
que melhor
souber sangrar
sobre a faca
das marés;
devagar imprima
o primeiro olhar
sobre o galope molhado
dos animais; devagar
peça mais
e mais e
mais



“É para você que escrevo, hipócrita. Para você – sou eu que te sacudo os ombros e grito verdades nos ouvidos, no último momento. Me jogo aos teus pés inteiramente grata: bofetada de estalo, decolagem lancinante, baque de fuzil. É só para você e que letra tán hermosa – Exaltação – Império Sentido na Avenida – Carnaval da síncope. Pratos limpos atirados paro o ar. Circo instantâneo, pano rápido mas exato descendo sobre a sua cabeleira de um só golpe de carícia, e o teu espanto!”

Poemas de Ana Cristina Cesar, publicados em Inéditos e Dispersos, editora Brasilense,1985.




foto g secchin




“(...) Partimos em busca do outro. Esse outro anônimo aguarda você – você. Outros lhe bloqueiam a passagem. Não espere, abra caminho mesmo que seja pela areia…vai demorar é isso? Liberte-se da necessidade de acolhimento, falsa prova da sua habilidade em produzir beleza. Vida e arte não se separam; combine os dois, desorganize o linear, o cotidiano, o hábito.”

Antonio Carlos Tettamanzy em “Desliguem os Celulares”, Editora 7 Letras, 2012



* título: Comida, Titãs