segunda-feira, 5 de outubro de 2015

e nos espaços serenos





O próximo
Escuta a magreza
O próximo
Tosse
O próximo
Obesidade mórbida
O próximo
Vermelhidão na cútis
O próximo
Está enterrado

Foi uma morte violenta.




foto nasa






Meu filho, quem sou eu para escrever sobre a morte. Acho uma difícil tarefa. Tanto já se falou sobre a morte e tanto já se especulou sobre o que acontece com a gente depois da morte. Prefiro ver a morte como parte da vida e valorizar o tempo. O nosso corpo é nossa morada nesse espaço de tempo que contemplamos o que chamamos de vida. Estamos sujeitos a doenças e acidentes, somos frágeis. Por isso, acho super importante cuidar e prestar atenção nele. O corpo se deteriora com a idade e simplesmente não vale nada após a morte. Mas o que acontece com aquilo que chamamos espírito? Não sei, não há explicações científicas e há inúmeras hipóteses apontadas pelas religiões.

Há dois livros, um dia você poderá ler – eles falam da morte de uma maneira que me tocou profundamente. O primeiro foi escrito por uma francesa que escrevia livros de filosofia, mas escreveu um romance que é uma história grande e inventada, o nome dela é Simone de Beauvoir. O livro chama-se “Todos os Homens são Mortais“, conta a história de um homem que nunca morre, já casou, já teve filhos, já presenciou guerras e tudo ia se repetindo, ele se apaixonava, casava com mulheres belíssimas, elas morriam, os filhos morriam e tudo começava de novo. Após muitos anos, séculos, nada mais tinha a menor graça para ele, ele estava cansado, mas sua vida não tinha fim.

O outro livro, tem um pequeno texto, de um escritor já morto muito conhecido por seus livros, Thomas Mann.  Ele escreveu um pequeno ensaio chamado “Elogio da Transitoriedade” onde conta porque ele considera a “transitoriedade” a coisa mais importante, o que está acima de tudo na vida. Espero que um dia, eu possa ler essas páginas junto com você. Pois hoje, eu já sinto saudades futuras de um tempo que não estarei mais por aqui.



foto nasa








Madrid, 1937,
na Plaza del Ángel as mulheres
costuravam e cantavam com seus filhos,
depois soou o alarme e houve gritos,
casas ajoelhadas no pó,
torres fendidas, fachadas esculpidas
e o furacão dos motores, fixo:
os dois se despiram e se amaram
por defender nossa porção eterna,
nossa ração de tempo e paraíso,
tocar nossa raiz e nos recobrar,
recobrar nossa herança arrebatada
por ladrões de vida há mil séculos,
os dois se despiram e se beijaram
porque as nudezes enlaçadas
saltam o tempo e não invulneráveis,
nada as toca, voltam ao princípio,
não há tu nem eu, amanhã, ontem nem nomes,
verdade de dois em um só corpo e alma,
oh ser total…


Trecho de “Pedra do Sol” de Octavio Paz, traduzido por Floriano Martins








Título: Itapuã de Vinícius de Moraes

Carta ao filho, texto inédito

“Ufa!” é um poema inédito



segunda-feira, 13 de julho de 2015

acorda, vem ver a lua





foto solange casotti



Downlowd 



A escuta como defesa,
tentar o diálogo impossível.

Tudo é excesso,
as palavras não dão mais conta.

Não tem apego,
mas sofre de “mal de arquivo”.

Se encanta em decantar o ego
e refletir sobre a emoção.

Escuta aqui,
senão, quando cê vê,
já é tarde demais.




Spinoziano


D’après Claudio Ulpiano


Tudo matéria,
tudo pensamento,
música, arte, amor, ternura.

Dar significado
é do campo da consciência.

Já a estética,
posso ver como existência:
produzir uma bela vida!

Para além das marcas e da razão,
cada um gera seus afetos.









foto solange casotti


Ler, Escrever e A Casa



Já me perguntaram, mais de uma vez, se eu tivesse que optar, entre ler ou escrever, o que escolheria. Espero que esta hipótese jamais se realize. Aprecio muito a leitura. Adoro aquele respiro que vem da leitura, de repente levanto os olhos e dou vistas ao além, provocado por palavras e ideias que me abocanham naquele instante eterno.

Em Cartas a um Jovem Poeta, Rilke, ao se eximir de fazer considerações críticas, sobre os versos enviados por seu correspondente, aconselha: “Procure entrar em si mesmo. Investigue o motivo que o manda escrever; examine se estende suas raízes pelos recantos mais profundos da sua alma; confesse a si mesmo: morreria, se lhe fosse vedado escrever?”*

Certamente eu ficaria doente, talvez eu implodisse e ficasse sem chão no meio das placas tectônicas.  Ou, como bem descreveu Ana Cristina Chiara,  ficaria enfastiada.

Não se escreve , nem se lê para autoconhecimento, nem para se dar a conhecer. Escreve-se, lê-se, por fastio, por má digestão. Não se trata de um consultório sentimental, nem de autoajuda. Trata-se se deixar saltarem esses peixes sufocados sobre a página do livro. Trata-se de vir à superfície e tomar um respiro para afundar de novo no desconhecido. Simplesmente assim. As palavras tem de sair de algum modo. Elas forçam passagem. **

Desde cedo, as palavras saem em forma de poesia e diário, mas com o tempo, fui conduzindo, tentando tomar as rédeas e elas também vieram em forma de conto, de novela e um formato novo e encantador que chama-se blog, esse formato blog também goza de muita liberdade em sua forma.

No intuito de pensar o que me move para a escrita, concluo que são múltiplas forças, mas em todas elas preciso de um envolvimento emocional com o conteúdo. Já quanto à forma, nem sempre estou em situação de total liberdade. Por isso escrevo versos, o poema me dá essa liberdade.


 A Casa



Ambições poéticas
habitam o verso,

flagrante desejo,
cisma de resistência,

dinâmico diálogo,
desliza na imagem,

abismo de acesso,
passagem para...



* Cartas a um Jovem Poeta, Rainer Maria Rilke

** Ensaios de Possessão, Ana Cristina Chiara, editora Caetés

Downlowd Xamânico e Spinoziano  são poemas inéditos

título: melodia sentimental de Heitor Villa Lobos e Dora Vasconcelos









segunda-feira, 11 de maio de 2015

se eu pedir você me dá o seu coração




Já não sou poeta e não posso exprimir o que é inexprimível; com palavras vazias posso dizer que durante esses três dias, não vivi, ao que parece, no presente, mas sim nas lembranças daqueles dois anos, cujo a cor e o perfume eu perdera tão irreparavelmente quanto um morto a sua existência.

Assim, ia eu pensando em mágoas já não existentes e no fundo das quais só então descobria, tudo o que há de deslumbrante e mortalmente belo na vida, aquela plenitude do ser, da qual um minuto justifica milhões de anos passados, revelando o sentido do vazio e do caos: a fé em mim mesmo.
Karinthy Frigyes.





 foto solange casotti

  




Olhar de frente.
Compreender a questão de fundo,
compreender a impossibilidade de pular
                           sobre a própria sombra.

Seleção natural
passa pela artificial
e vice-versa.

É impossível minimizar
                                    a imprevisibilidade,
assim como é impossível a ideia
                           de sair de si mesmo.

Na catarse você é tudo.

O final não é poético.


Salto é um poema inédito





  foto solange casotti




Como não cair na cilada da homogeneização? O que é a vida se não diversidade biológica, por que o tempo não volta para atrás, por que não se separam meios líquidos, a vida depende da diversidade, de um fluxo contínuo de nascimento, não de desenvolvimento nesses termos estabelecidos por máfias de sementes monopolizadas.

De uma diversidade de mais 250.000 espécies de plantas,  a vida humana hoje depende de 12 espécies cultivadas e 5 espécies animais. A erosão genética, na qual se perderam inúmeras espécies é um perigo para  a segurança alimentar. Não bastam bancos de genoplasma, depósitos de sementes para conservar variedades, quando as próprias mudanças na terra e no clima provocam uma seleção.

Os índios costumam cultivar três roçados em diferentes estágios de plantio. Quando queimam um antigo roçado, brotam sementes de variadas espécies de mandioca,  é proibido jogar fora qualquer maniva, mantendo assim uma variedade. As índias tem orgulho dessa diversidade de mandiocas. Sementes adormecidas da mandioca só germinam com o fogo. Por isso quando as mulheres indígenas vão roçar e queimar uma antiga área de plantio, as sementes adormecidas nascem. 




Índios deambulam
Tupi or not tupi
Artistas fermentam


II


Orquídea botão
Persianas divisórias
Não separam dores



III


Em livre arbítrio
Verde claro sentimento
Estação escolha



TRIO, haicais inéditos




Título “ no tabuleiro da baiana” de Ary Barroso

Karinthy Frigyes escritor húngaro, traduzido por Paulo Ronai, esse trecho faz parte da peça “Dois Expressos e uma Parada" de Luisa Friese e Liliane Rovaris.

O texto acima é parte de anotações realizadas em uma palestra antropóloga  Manuela Carneiro da Cunha no Parque Lage em 20 de março de 2015.