foto solange casotti
O
nome dela era Marta, teve cinco filhos e morava em Mesquita. Quando o filho de
18 anos foi preso ela começou a adoecer. Alta, mais de 1.80m, parecia saída de um quadro de Di Cavalcanti.
Um corpo de violão, traços fortes, uma chiqueza natural que fazia com que suas
roupas ficassem bem com as sandálias coloridas, brincos e pulseiras que gostava
de usar.
Levava
duas horas e meia para chegar ao trabalho. Era manicure num pequeno salão em Ipanema.
A patroa a tratava bem e a pagava corretamente. Todos os dia, ela enfrentava o
metrô lotado. Deixava o mais novo de 5 anos por conta da avó. A outra de 8
ficava por conta da filha mais velha que tinha problemas mentais, mas já era
mãe de um menino.
De
vez em quando aparecia no batidão do funk do fim de semana. Depois da prisão do
mais velho, só pensava numa maneira de
tirá-lo de lá, nas visitas e no que poderia levar para agradá-lo.
No
salão, todos começaram a notar como estava cada vez mais magra. A pele estourava com furúnculos. Nada a
apetecia. Teve esperança, o menino ia sair da prisão. Uma cliente deu dinheiro
para uma consulta em Copacabana. O dinheiro acabou comprando uma bermuda para o
filho que saia da prisão.
Marta
começou a notar que o outro filho de 16 estava
gastando, chegava em casa com comida e roupas novas, sabia que também estava no
tráfico, conversava pouco. Pensava no que ela podia oferecer.
O
mais velho voltou, saiu da prisão. Não durou um mês, vieram avisar. O corpo
estendido no asfalto. Foi polícia? Foi traficante?
Depois
dos trâmites e enterro, Marta sem comer, pesava sessenta quilos.
Tirou
as férias que tinha direito e pouco levantava. A filha com problemas mentais
trazia comida, ela não conseguia comer. O pequeno fazia um carinho antes de ir
para a casa da avó. Vontade nenhuma. Nem a irmã, nem o ex-marido apareciam. A
vizinha a levou para o hospital. Dois dias depois a filha a tirou de lá,
assinando um termo de responsabilidade. Entraram no metrô, Marta fraca, pensou
que queria ver os outros filhos, mas seria melhor ficar no hospital.
A
dona do salão ligou. A filha disse que Marta não podia falar. Na semana
seguinte, a dona do salão ligou, ela não podia falar. Aos 47, com 45 quilos,
Marta morreu em casa. Depois veio o ex marido, saber se tinha direito a algum
dinheiro para o filho.
foto solange casotti
Jardim para Octavio Paz
Essa vibração verde é uma planta envolta em ar
este verde é o ar que perfuma
este perfume é a linguagem da planta
Eu
não sou nada
se
não sou a planta
o
ar
a
fragrância
e nada é nada
se não se vê que nada é nada
aqui
agora
Um menino brinca no gramado
escolhe uma árvore
outra
outra
vai de uma árvore até o meio do jardim
corre até outra árvore
até
outra
volta ao centro
Um pássaro canta
e lá de fora
árvores menino e pássaro
não são isso
Lá de fora é
de dentro
para quem olha como quem
ama
como
quem
luta
como quem
passa através de nenhum
obstáculo
A prova mais dura
o salto que consiste em
ficar imóvel à margem da
plenitude sem margens
que
(a plenitude)
não existe como imagem nem suporte
E então
o menino chega até a árvore
e se entende que não havia pássaro cantando
que o canto era esse nome
que recebe esse ato
para quem está olhando como quem
ama
como
quem
vive
como
quem
sabe que as árvores
a verde vibração
que é a planta
envolta
em ar
o salvam de ser aquilo
que todo o resto insiste em dar-lhe
a partir de sapatos
mulheres
espetáculos
dias
O que olha é agora o olhado
mas o menino
escolhe
novamente uma árvore
corre e retorna
e outra vez corre e volta
O olhado fica para lá
e o que olhava volta a ser
aquele que olha
Até que algum dia quem sabe
Até que não haja retorno
Poema de Julio Cortázar, traduzido por Ari Roitman
e Paulina Wacht publicado em “Último Round”, ed. Civilização Brasileira, 2008
Marta é um conto inédito