sexta-feira, 26 de abril de 2013

me dê motivo






Nada disso foi do jeito que eu quis.
Se fosse como eu quis, não haveria
de ser tão sofrido, tão infeliz.
Mas eu – o eu que sou – eu não seria.


Assim, não me lamento. Até me sinto
como quem tem não o que foi pedido,
e sim o que, guiado pelo instinto,
não pelo querer, teria querido.


O que de mais duro a vida me deu
– que dura mais quanto mais me custou
dele me acostar, e torná-lo meu –


o que não escolhi, mas me escolheu,
é o que, ao fim e ao cabo, mais eu sou.
Não é o eu que eu me quis. Mas sou eu.




Biographia literária VII, poema de Paulo Henriques Britto, publicado em Formas do Nada, Ed. Companhia das Letras, 2012



                                                                 foto marina casotti diniz



O mandante mor é o mercado, antigamente, eu ia ao mercado, comprava comida. Ele invadiu tudo, está na minha casa o tempo inteirinho, botei o pé na rua, então, é  um sufoco...Hoje, o mercado é um gigante, o monstro que manda no universo, já engoliu uma diversidade, até uma parte da camada de ozônio que cobre o planeta, já engoliu a saúde, a educação, as artes, até a história.

O grande aliado do monstro é  o monopólio, ele vem soterrando uma virtude fundamental, a livre concorrência, junto vem o sistema, os poderes e muitas bactérias que nos consomem, ao mesmo tempo que nos formam, nos constituem, por exemplo: dona corrupção e dona ganância, sua irmã siamesa.



(...)Mas o que eu acho é que não temos permitido que as crianças tenham e vivam a infância. Transformamos eles em miniadultos e consumidores em potencial. De alguma forma estamos tirando a magia das coisas.
Alan Ayckbourn


Gosto muito, quando entro num taxi e está ligado na rádio Bandeirantes, no programa do Boechat. Ele sempre trata de importantes denúncias que afetam o cotidiano dos cidadãos. Há pouco tempo, tinha uma senhora reclamando que no seu condomínio estão vendendo cerveja nas máquinas de refrigerantes do prédio. Chamaram o síndico, sabe o que ele disse? “As câmeras de segurança estão vigiando o pessoal...”

Não é possível esperar alguma reação do poder público, cada comunidade (o condomínio) deve tentar resolver seus problemas, caso isso não seja possível, depois de tentativas...O que eu quero dizer é que não adianta ocupar o legislativo e o judiciário com uma questão como  essa por exemplo.

Eu posso ser crítica economicamente, eu posso ser economicamente crítica, eu posso misturar poesia e dizer alguma coisa. Cada um vai entender do jeito que quiser, com os recursos que possui. Num discurso, tudo tem dois lados, mas algumas ideias possuem outros lados, não se limitando à horizontalidade ou à verticalidade. Brechas nas certezas, no pragmatismo.

As relações fundam a identidade do tempo. O que permanece escondido fica sem vida. O cotidiano faz a vida e depois tudo vira história.


foto marina casotti diniz



Por que não me deitar sobre este
gramado, se o consente o tempo,
e há um cheiro de flores e verde
e um céu azul por firmamento
e a brisa displicentemente
acaricia-me os cabelos?
E por que não, por um momento,
nem me lembrar que há sofrimento
de um lado e de outro e atrás e à frente
e, ouvindo os pássaros ao vento
sem mais nem menos, de repente,
antes que a idade breve leve
cabelos sonhos devaneios,
dar a mim mesmo este presente?


Presente, poema de Antonio Cicero dedicado a Eucanaã Ferraz, publicado em Porventura, Ed. Record, 2012


título: Me dê Motivo de Tim Maia



                                                                                                          

2 comentários:

  1. Adorei! A primeira foto eu tenho certeza que é minha mais a segunda eu não sei...
    Beijos
    Marina

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  2. tão lindo esse poema do Paulo Henriques Britto... mexeu!
    beijos

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