segunda-feira, 30 de novembro de 2009

Szymborska toda, pura Wislawa


A primeira vez que ouvi falar da poeta Wislawa Szymborska (1923, Bninie, Polônia), ela já era a ilustre ganhadora do Nobel de Literatura de 1996. Quando comecei a pesquisar, não achava nada traduzido. Consegui comprar um livro em espanhol, Instante (Editora Igitur, 2005). Li, reli e gostei. Achava de uma estranha dureza e amável simplicidade. Não há nenhum livro dela publicado no Brasil.

Em maio de 2007, a Revista Piauí publicou alguns de seus poemas, dentre eles “Bem Cedo”, traduzido em conjunto por Sylvio Fraga Neto e Danuta Haczynska da Nóbrega. Ele do inglês, ela do original polonês. Também publicou o discurso de Wislawa na Academia Sueca traduzido do inglês por Rubens Figueiredo do qual extraí as passagens abaixo. O discurso completo pode ser lido no site da revista Piauí: http://www.revistapiaui.com.br/






foto Ricardo Casotti Secchin


BEM CEDO 



Ainda durmo, 

mas enquanto isso as coisas acontecem. 

A janela embranquece, 

a escuridão se acinzenta, 

o quarto emerge de um espaço indefinido, 

listas pálidas e instáveis buscam apoio. 


Na fila, sem pressa, 

pois isso é uma cerimônia, 

amanhecem as superfícies do teto e das paredes, 

as formas se destacam 

umas das outras, 

as da esquerda das da direita. 


As distâncias entre os objetos vibram, 

as primeiras luzes cintilam 

no copo, na maçaneta. 

As coisas deixam de ser impressões, já existem, 

como o que ontem foi deslocado, 

o que caiu no chão 

e o que está contido nas molduras. 

Apenas os detalhes continuam invisíveis. 


Mas atenção, atenção, atenção, 

tudo indica que as cores estão retornando 

e mesmo a mínima coisa recebe de volta sua matiz, 

acompanhada de uma ponta de sombra. 


Raramente isso me surpreende, mas deveria. 

Normalmente eu acordo, testemunha atrasada, 

o milagre finalizado, 

o dia definido 

e a aurora magistralmente transformada em manhã. 


  
Poema de Wislawa Szymborska, traduzido por Sylvio Fraga Neto e Danuta Haczynska da Nóbrega, Revista Piauí, maio 2007. 

“Quando ocorre de me perguntarem sobre o assunto também me esquivo. Mas a minha resposta é esta: a inspiração não é um privilégio exclusivo de artistas e  poetas. Existe, existiu, existirá sempre certo grupo de pessoas a quem a inspiração visita. É formado por todos aqueles que conscientemente escolheram sua vocação, e fazem seu trabalho com amor e imaginação. Pode incluir médicos, professores, jardineiros – eu poderia fazer uma lista de mais de cem profissões. Seu trabalho se torna uma aventura constante, enquanto forem capazes de continuar a descobrir nele novos desafios. Dificuldades e reveses nunca sufocam a sua curiosidade. Um enxame de questões novas emerge de cada problema que eles solucionam. Seja lá o que for a inspiração, ela nasce de um contínuo “não sei”.

(...) O mundo – o que podemos pensar quando estamos apavorados com a sua amplidão e com a nossa própria impotência, ou quando estamos amargurados com a sua indiferença em relação ao sofrimento individual, das pessoas, dos animais e talvez até das plantas ( pois por que estamos tão seguros de que as plantas não sentem dor?); o que podemos pensar sobre suas vastidões penetradas pelos raios das estrelas rodeadas por planetas já mortos? Simplesmente não sabemos; o que podemos pensar sobre este teatro imensurável para o qual temos ingressos reservados, mas ingressos cujo o prazo de validade  é risivelmente curto, delimitado como está por duas datas arbitrárias; o que quer que pensemos sobre este mundo – ele é assombroso.

(...) Claro, na fala cotidiana, em que não paramos a todo instante para ponderar cada palavra, todos usamos expressões como “o mundo comum”, “vida comum”, o desenrolar comum dos acontecimentos”. Mas na língua da poesia, em que se pesam todas as palavras, nada é usual ou normal. Nem uma única pedra e nem uma única nuvem acima dela. Nem um único dia e nem uma única existência, a existência de nenhuma pessoa neste mundo.


foto Maritza Caneca

LISTA



Fiz uma lista de perguntas,
cujas respostas já não terei tempo de saber,
porque é muito cedo para isso,
ou porque serei incapaz de entendê-las.

A lista de perguntas é grande,
toca temas importantes e menos importantes,
porém como não quero chateá-los
só revelarei algumas delas:

O que era real
e o que apenas assim parecia
neste auditório
estelar e sob as estrelas,
aonde é necessário tanto bilhete de entrada
quanto bilhete de saída;

O que acontece com todo esse mundo vivo
que não terei tempo
de comparar com outro mundo vivo;

Sobre o que escreverão
depois de amanhã os jornais.

Quando acabarão as guerras
e por que outra coisa serão substituídas;

Em que dedo estará agora
o anel da alma
que me foi roubado, que perdi;

Qual é o lugar do livre arbítrio
que é capaz de ser e de não ser
ao mesmo tempo;

O que terá sido de dezenas de pessoas:
teremos nos conhecido realmente?

O que tentava me dizer M.,
quando já não podia falar;

Por que tomei por boas
coisas ruins
e do que necessito
para não voltar a me equivocar?

Tomei nota antes de adormecer
de algumas perguntas.
Ao me despertar
já não pude lê-las.

Às vezes desconfio
de que se trata de um código definido.
Mas esta também é uma pergunta
que me abandonará algum dia.

Traduzido do espanhol por Solange Casotti. Do original polaco para o espanhol por Abel A. Murcia Soriano em Instante, Editora Igitur, Espanha, 2005


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