A primeira vez que ouvi falar da poeta Wislawa Szymborska (1923, Bninie, Polônia), ela já era a ilustre ganhadora do Nobel de Literatura de 1996. Quando comecei a pesquisar, não achava nada traduzido. Consegui comprar um livro em espanhol, Instante (Editora Igitur, 2005). Li, reli e gostei. Achava de uma estranha dureza e amável simplicidade. Não há nenhum livro dela publicado no Brasil.
foto Ricardo Casotti Secchin
BEM CEDO
mas enquanto isso as coisas acontecem.
A janela embranquece,
a escuridão se acinzenta,
o quarto emerge de um espaço indefinido,
listas pálidas e instáveis buscam apoio.
Na fila, sem pressa,
pois isso é uma cerimônia,
amanhecem as superfícies do teto e das paredes,
as formas se destacam
umas das outras,
as da esquerda das da direita.
As distâncias entre os objetos vibram,
as primeiras luzes cintilam
no copo, na maçaneta.
As coisas deixam de ser impressões, já existem,
como o que ontem foi deslocado,
o que caiu no chão
e o que está contido nas molduras.
Apenas os detalhes continuam invisíveis.
Mas atenção, atenção, atenção,
tudo indica que as cores estão retornando
e mesmo a mínima coisa recebe de volta sua matiz,
acompanhada de uma ponta de sombra.
Raramente isso me surpreende, mas deveria.
Normalmente eu acordo, testemunha atrasada,
o milagre finalizado,
o dia definido
e a aurora magistralmente transformada em manhã.
Poema de Wislawa Szymborska, traduzido por Sylvio Fraga Neto e Danuta Haczynska da Nóbrega, Revista Piauí, maio 2007.
(...) Claro, na fala cotidiana, em que não paramos a todo instante para ponderar cada palavra, todos usamos expressões como “o mundo comum”, “vida comum”, o desenrolar comum dos acontecimentos”. Mas na língua da poesia, em que se pesam todas as palavras, nada é usual ou normal. Nem uma única pedra e nem uma única nuvem acima dela. Nem um único dia e nem uma única existência, a existência de nenhuma pessoa neste mundo.
LISTA
Fiz uma lista de perguntas,
cujas respostas já não terei tempo de saber,
porque é muito cedo para isso,
ou porque serei incapaz de entendê-las.
A lista de perguntas é grande,
toca temas importantes e menos importantes,
porém como não quero chateá-los
só revelarei algumas delas:
O que era real
e o que apenas assim parecia
neste auditório
estelar e sob as estrelas,
aonde é necessário tanto bilhete de entrada
quanto bilhete de saída;
O que acontece com todo esse mundo vivo
que não terei tempo
de comparar com outro mundo vivo;
Sobre o que escreverão
depois de amanhã os jornais.
Quando acabarão as guerras
e por que outra coisa serão substituídas;
Em que dedo estará agora
o anel da alma
que me foi roubado, que perdi;
Qual é o lugar do livre arbítrio
que é capaz de ser e de não ser
ao mesmo tempo;
O que terá sido de dezenas de pessoas:
teremos nos conhecido realmente?
O que tentava me dizer M.,
quando já não podia falar;
Por que tomei por boas
coisas ruins
e do que necessito
para não voltar a me equivocar?
Tomei nota antes de adormecer
de algumas perguntas.
Ao me despertar
já não pude lê-las.
Às vezes desconfio
de que se trata de um código definido.
Mas esta também é uma pergunta
que me abandonará algum dia.
Traduzido do espanhol por Solange Casotti. Do original polaco para o espanhol por Abel A. Murcia Soriano em Instante, Editora Igitur, Espanha, 2005
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