segunda-feira, 29 de março de 2010

o sal da língua, a palavra mágica

A palavra mágica

 

como posso encontrar            a palavra escrita

a palavra certa                   escondida no sonho

verdade            mentira

flor       pedra        caos

a palavra nova      para

uma vida            antiga?

o  sol  surge  entre    as

nuvens

vejo homens encaminharam-se rompendo o dia

de   encontro  aos  seus    desejos     confusos

sofre   teu  rosto   o   vento  esculpe  teu  sorriso

teu  destino com teu leve   andar   ultrapassaste

o limiar do jardim                não viaje com neblina

na  estrada  você  fica  invisível  no alto  da serra

não  pergunte  se  o  amor   inventou  a   palavra

amor se os pássaros e os homens existem apenas

porque  descobriram  as  palavras    certas     para

poderem viver                ignorando a palavra morte

talvez ela também não exista

como posso apagar todas as palavras do mundo

de  minha  mente  para  sem  o  saber não existir

mais para  sempre  ou  quem sabe?  encontrar a

palavra mágica                                a palavra certa

 

Poema de Franco Terranova publicado em Diário (1895/1995), Trilogia do Vento, Ed. Nova Fronteira, 2001.

 

foto maritza caneca

Estreou em Curitiba, no festival de teatro,  a peça Cinema de Felipe Hirsch. E acaba de ser lançado seu primeiro filme,  Insolação, feito com Daniela Thomas. Desde, “A vida é feita de som e fúria”,  passando por uma série de peças, como "A morte do caixeiro viajante" e a penúltima,  "Não sobre o amor", também com Daniela Thomas, Felipe vem apresentando um trabalho de extremo apuro. Gosto tanto do que leio, em matéria de O Globo (segundo caderno, 21/03/2010) que prometo ficar de olho na programação cultural para não perder os dois, a peça e o filme.

O filme, quando não conseguimos, em meio às correrias do dia a dia,  chegar até a sala de cinema, ainda é possível assistir ao DVD. Apesar de, nada se comparar à nossa entrega no escurinho do cinema. Mas o teatro, como qualquer arte, só acontece quando há uma espécie de comunhão entre a obra e o espectador. Além disso, Felipe disse coisas lindas, como quando, por exemplo, fala da música: “por que a música é tão poderosa? Porque ela é, pelo menos em relação a cinema ou teatro, a arte com menos tempo de mediação.”

E foi comunhão o que aconteceu com a platéia em Simplesmente Eu, Clarice Lispector de Beth Goulart, o teatro cheio, recebendo pura Clarice, na veia. Praticamente todas as palavras são de Clarice. É muito gostoso quando você começa a perceber que aquela é ela, a escritora, de carne e osso,  ou então é Lóri de “uma aprendizagem”, ou  é a dona de casa que fica atordoada com o cego que masca chicletes e vai parar no Jardim Botânico.  Tanto com quem já as conhece, como com quem não as conhece,  a atriz estabelece uma ponte muito bem embasada, sem perder toda a loucura da gênia criadora. Pois Clarice é de uma feminilidade crucial, plena de raiva e de amor, pelo outro e pelo mundo. E como observou Rosie Marie Muraro,  a quem Beth dedicou o espetáculo daquela noite, “ela sempre escreveu sobre ego, sobre o self, o umbigo, mas sempre com o mundo em perspectiva”.  

A comunhão entre Clarice, Beth e o espectador é de um alcance impressionante. E fui correndo, pensando que era a última semana, fiquei muito feliz em saber que a peça estréia em São Paulo, mas também vai continuar no Rio, às terças e quartas no Teatro SESI.

Um cisco no olho

faz alarde.

 

Quem fala

sobrevoa possibilidade.

 

Por sorte

comete vida.

 

É mais fácil encontrar

a vida em tentativa.

 

 

Poema sem título, publicado em Ventanias, Ed. Sete Letras, 1997

tela g. secchin

Voltando ao Felipe Hirsch. Ele critica o excesso de mediação e achismos no mundo de hoje. Não sei,  existe esse lado excessivo,  de opiniões e informação, mas me incomoda mais o vazio, a falta de opinião, a indiferença e a dificuldade em emitir juízos de valor, o que podemos chamar de blasezisse.

 

 

O Sal da Língua

 

 

Escuta, escuta: tenho ainda

uma coisa a dizer.

Não é importante, eu sei, não vai

salvar o mundo, não mudará

a vida de ninguém – mas quem

é hoje capaz de salvar o mundo

ou apenas mudar o sentido

da vida de alguém?

Escuta-me, não te demoro.

É coisa pouca, como a chuvinha

que vem vindo devagar.

São três, quatro palavras, pouco

mais. Palavras que te quero confiar.

Para que não se extinga o seu lume,

o seu lume breve.

Palavras que muito amei,

que talvez ame ainda.

Elas são a casa, o sal da língua.

 

Poema de Eugénio de Andrade, publicado em Le Seul de La Langue, Ed, La différence, 1999.

 

 

 

 

 

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