quinta-feira, 28 de junho de 2012

alguma coisa está fora da ordem






Clique




Para sentir o gosto da sombra,
uma expressividade inata,
hipersensibilidade,
que desconfia do mundo.

Mudar o metabolismo,
reformular o fluxo,
desengavetar pensamento,
original, autêntico,

provar
que nem tudo pode ser provado.





Educação Para a Preguiça
D’après Olgária Matos



Superação –
a cultura do excesso
foge da plenitude
para a eterna cobrança –

O sonho divino –
criar sem esforço,
a preguiça ativa.






foto solange casotti




“O filósofo esloveno Slavoj Zizek (sorry, mas não consegui acentuar o ^ do nome)  distingue três tipos de banheiros no mundo ocidental: os alemães, os franceses e os anglo saxões. Os banheiros alemães tem um “trono” situado “bem à frente”. Isso, para favorecer a inspeção de “todo vestígio de doença”. Ele liga ainda esta “fascinação ambígua e contemplativa” ao “rigor reflexivo germânico” e à importância da poesia e da metafísica alemãs. O trono do vaso francês,  situado ao contrário “bem para trás”, evoca para Zizek a “ânsia revolucionária francesa”, apressada em se livrar do elemento perturbador, com seu radicalismo político. Enfim, o modo inglês ou americano constitui uma “espécie de síntese”, o vaso é “cheio de água” de modo que os excrementos são “bem visíveis mas não para serem examinados”... Eis então o pragmatismo anglo-saxão que, segundo o filósofo, “trata a merda como um objeto ordinário o qual deve ser eliminado da maneira mais apropriada”.

Por aqui, copiamos a maneira americana, mas temos fortes resquícios de país colonizado. Dos indígenas herdamos a capacidade natural de deixar o excremento se misturar à natureza que é para onde sempre vai o produto final. E da miscigenação, o que herdamos? Me parece, uma capacidade natural de nos ambientarmos. Ao mesmo tempo, desenvolvemos um certo “remelexo adaptativo” capaz de inventar soluções bastante criativas.






foto solange casotti




Às vezes tenho uma imensa nostalgia da infância e de cidade pequena. Tenho saudade do tempo em que ainda acreditava numa certa pureza. Me lembro a única vez que fui atropelada, na década de 1970, por um fusca azul 1967, quase pedi perdão ao motorista, pois eu saí do ônibus escolar e entrei na frente do carro, a roda apenas roçou meu braço, ainda assim, o motorista fez questão de me levar até em casa e falar com meus pais.

Lamento que falte tanta ética e bom senso nessa metrópole balneário em que vivemos. Essa falta está presente nas mais diferentes esferas, desde o sujeito que atropela um menino de 13 anos e não se digna a  socorrer até os altos cargos do poder, atropelando a vida de tanta gente.

Me lembrei de uma frase que tinha lá na praça da cidade pequena, não mais tão pequena, deve estar lá ainda, junto ao busto do poeta Newton Braga: “Esta sensibilidade que é uma antena delicadíssima, captando pedaços de todas as dores do mundo, e que me fará morrer de dores que não são minhas”  




Vontade




Eu queria ser um pouco mais igual a todo mundo.

Queria ser um sujeito simples,
de ambições determinadas,
de dores pouco profundas,
de sentimentalismo menos doentio.

Queria viver sem essas complicações interiores,
sem o martírio do pensamento
e da sensibilidade,
com a despreocupação ingênua dos primitivos
e dos imbecis.

Queria acreditar em todas as verdades femininas,
na sinceridade de todos os amigos
e na pureza de todos os aplausos e todas as pedradas.

Queria ser amado, como toda gente,
e, como todos, variar no amor, despreocupadamente.
Eu queria ter a alma simples, simples.
Tão simples que certamente numa tarde como esta,
eu diria para mim mesmo:
– Eu gosto da vida. A vida é boa.

E é possível que eu acreditasse.


Poema de Newton Braga (1911- 1962) publicado em “Poesia e Prosa”, reedição particular do mesmo título publicado em 1964 pela Editora do Autor.




Título: Fora de Ordem, Caetano Veloso

O poema inédito Educação Para a Preguiça foi extraído de anotações feitas durante a palestra de mesmo nome  no Ciclo “Elogio à Preguiça”, no dia 26 de setembro de 2011, na ABL Rio de Janeiro por Olgária Matos


*Élise Nebout em Philosophie Magazine N 26 Février 2009, tradução Solange Casotti




2 comentários:

  1. Além da poesia com as palavras a poesia do seu olhar muito me encantou.
    Adoro "remelexo adaptativo" e a "sensibilidade que é uma antena delicadíssima" do Newton Braga.
    Bjs

    ResponderExcluir
  2. Adorei esse post. Sensibilidade da poeta em alta voltagem.
    Helena

    ResponderExcluir