Depois
do giro absoluto do mercado,
empastelou-se
e
nunca mais voltou...
Nada
mais previsível
do
que a próxima novidade,
além-lugar,
fora,
insensível formação,
lançada no mundo
sem licença poética,
sem escolhas,
ansiedade tóxica,
nome e imagem
estratificados
em unidade
em unidade
cheia de cheiro,
nenhum sabor.
nenhum sabor.
Passeio Incompleto
Mar adentro
pensamentoamparo
permitiria transcender
na retórica do meio,
positivo negativo composto,
seria possível
transformar a permanência,
se existisse força
para além do medo,
não fossem ameaças
tateando as paredes do ventre,
perigo na proa,
estatísticas caudalosas
destituindo o direito,
rota de abandono,
processo de dentro
para dentro,
fora da curva,
fora do eixo
rasas águas
que afogam,
sem sintaxe
nem existiriam
e depois
ainda ficaria faltando uma assinatura.
O Homem sem Conteúdo e Passeio Incompleto são poemas inéditos.
foto marcos morteira
O Pleno e o Vazio
Oh se me lembro e quanto.
E se não me lembrasse?
Outro seria minha’alma,
bem diversa minha face.
Oh como esqueço e quanto.
E se não esquecesse?
Seria homem-espanto,
ambulando sem cabeça.
Oh como esqueço e lembro,
como lembro e esqueço
em correntezas iguais
e simultâneos enlaces.
Mas como posso, no fim,
recompor os meus disfarces?
Que caixa esquisita guarda
em mim sua névoa e cinza,
seu patrimônio de chamas,
enquanto a vida confere
seu limite, e cada hora
é uma hora devida
no balanço da memória
que chora e que ri, partida?
Verdade
A porta da verdade estava aberta,
mas só deixava passar
meia pessoa de cada vez.
Assim não era possível atingir toda a verdade,
porque a meia pessoa que entrava
só trazia o perfil de meia verdade.
E sua segunda metade
voltava igualmente com meio perfil.
E os meios perfis não coincidiam.
Arrebentaram a porta. Derrubaram a porta.
Chegaram ao lugar luminoso
onde a verdade esplendia seus fogos.
Era dividida em metades
diferentes uma da outra.
Chegou-se a discutir qual a metade mais bela.
Nenhuma das duas era totalmente bela.
E carecia optar. Cada uma optou conforme
seu capricho, sua ilusão, sua miopia.
O Pleno e o Vazio e Verdade são poemas de Carlos
Drummond de Andrade publicados em O Corpo, Editora Record, 1984.
Profundeza de palavras, poesia cheia de qualidade! Sempre seu fã.
ResponderExcluirBjs